O pequeno José Ivo Sartori (à esquerda) com o pai Antonio Silvio Sartori, a mãe Elsa Dengo Sartori e a irmã mais nova Neuza, no início dos anos 1950Foto: Álbum de família / divulgação
Jeito gringo de ser de Sartori foi moldado no interior
Governador eleito do Rio Grande do Sul nasceu há 66 anos, na Linha São Marcos, em Farroupilha
26/10/2014 | 19h23
A figura do gringo que gesticula, fala alto e busca saber sempre o sobrenome do interlocutor – com a qual tantos eleitores da Serra se identificam e que contribuiu para alavancar a votação em outras regiões do Estado – não poderia deixar de estar atrelada a uma típica criação interiorana.
José Ivo Sartori, governador eleito do Rio Grande do Sul, nasceu há 66 anos na Capela de São Valentim, na linha São Marcos, espécie de interior do interior de Farroupilha, como o próprio Sartori fez questão de frisar em seu relato biográfico Andanças, escrito pelos jornalistas Paulo Cancian, Antonio Feldmann e Marcos Kirst e lançado este ano.
Em 25 de fevereiro de 1948, José Ivo inaugurava a prole do casal Antonio Silvio Sartori e Elza Dengo Sartori, que deu ao primogênito mais cinco irmãos: Neuza, Janete, Luiz, Maria de Lourdes e Olmar. E, assim como os outros, soube desde bem cedo que a infância, os estudos e o trabalho caminhavam, literalmente, juntos:
“Nós, as crianças, tínhamos de ajudar os adultos que estavam trabalhando na roça. Uma das nossas principais tarefas era levar a sporta (sacola artesanal em palha feita pelos imigrantes) onde eram carregados os mantimentos que seriam consumidos ao meio-dia, já que não era costume retornar para casa em meio ao trabalho.”
Assim como o trabalho, a religião também pautou o cotidiano do menino.
“Vivi um tempo em que era comum as pessoas trocarem de sapato para irem à missa. Ia-se à igreja de chinelo ou de tamanco e ainda no caminho, próximo da Igreja, calçava-se o sapato. Acho que fazíamos aquilo para poupar os sapatos, já que entrar na igreja de chinelo ou de tamanco nos parecia falta de respeito. Aquilo era um hábito antigo dos colonos. Eu era pequeno e, na Semana Santa, achei muito estranho o padre fazer o ritual de beijar o pé da gente. Acho que minha mãe me fez lavar os pés umas vinte vezes nos dois dias que antecederam o rito do lava-pés”.
Esse e diversos outros rituais, como a produção artesanal de vinhos caseiros e a feitura dos típicos produtos coloniais, tinham o dialeto italiano como língua. O talian, aliás, dominou a fala, a leitura e a escrita naqueles primórdios dos anos 1950.
“Naquela época, não existia escola nas proximidades de onde morávamos. Assim alguém da própria comunidade era designado para a tarefa de ensinar as crianças. Meu avô era quem fazia isso. Na nossa casa morávamos nós, o vô e a vó, um tio solteirão, uma tia solteirona (que mais tarde acabaram ambos casando). Era um monte de gente e, na casa, havia no mínimo três quadros negros para que meu avô desse aulas para nós e também para a vizinhança. Lembro também das lousas. Havia umas 30 delas lá em casa, nas quais escrevíamos, fazíamos as lições e estudávamos”.
Bola de presente
Em dezembro, tempo das festas de Natal e Ano Novo, o movimento na casa da família Sartori aumentava – e trazia novidades. Numa dessas ocasiões, o futebol que o pequeno José Ivo tanto apreciava ganhou um estímulo e tanto: a bola de borracha, presente de um tio de Porto Alegre.
“Aquilo foi uma maravilha porque até então eu só conhecia as bolas feitas com a bexiga dos porcos que eram carneados lá em casa. Em dia de matação de porco, as crianças ficavam felizes porque sabiam que a bexiga iria virar bola de futebol. Era isso ou as bolas de retalhos de pano feitas pela nossa mãe. Por isso, a bola de borracha foi uma novidade marcante. Só fui conhecer bola de couro no final dos anos 1950, quando fomos morar na cidade.”
O contato com o mundo além da colônia deu-se por volta de 1959, quando a família mudou-se para um bairro mais próximo do centro de Farroupilha. Já em 1961, aos 13 anos, Sartori passou a residir em Antônio Prado, onde cursou o ginásio na Escola São José.
Remete a esse período suas embrionárias incursões pela política estudantil. Virou tesoureiro da primeira diretoria do Grêmio Estudantil São José – embora nem soubesse direito o que aquilo significava, revelou.
O passo seguinte deu-se com a inserção na Juventude Estudantil Católica (JEC), cujas discussões nas áreas social e humanísticas se refletiriam no cotidiano do Seminário Nossa Senhora Aparecida, a partir de 1966.
Vida em família
Embora Sartori fosse bastante atuante no Seminário Nossa Senhora Aparecida, a vocação religiosa acabou de lado. Colegas no curso de Filosofia da Universidade de Caxias do Sul, José Ivo e Maria Helena casaram em 9 de julho de 1976, um ano após a graduação de ambos.
Em depoimento no livro escrito por Cancian, Kirst e Feldmann, Sartori recordou do início dessa união de 38 anos:
“Casamos numa sexta-feira no Centro de Formação Pastoral da Diocese, cerimônia oficiada pelo Padre Orestes Straglioptto, que fora meu colega de Seminário. Dois dias depois, no domingo, ocorreria a convenção do MDB de Caxias. Nela meu nome era lançado para disputar uma cadeira de vereador. Não tivemos tempo nem de fazer lua de mel “.
Na verdade, conforme detalha o livro, a lua de mel ocorreu uma semana após o casamento, quando casou também o amigo João Tonus, ex-secretário de cultura de Caxias durante administração Sartori. Os dois casais viajaram a Galópolis, Gramado, Canela e Cambará a bordo do fusca de Tonus.
Em recente entrevista ao jornal Zero Hora, Sartori também recordou dos primórdios do namoro.
“Tem gente que acha que foi a Maria Helena que me tirou do seminário. Não continuei porque foi uma opção. Eu achava que tinha uma propensão para casar e constituir família”.
Família completada hoje pelos filhos Marcos, 31 anos, e Carolina, 28 – coincidência ou não, ambos nasceram sempre às vésperas de eleições. Ele, em 11 de novembro de 1982. Ela, em 2 de outubro de 1986.
Desde sempre bastante valorizados, os laços familiares também entregam costumes típicos da Serra que Sartori não dispensa. Mas que deverão ser cada vez mais raros daqui para frente: os jantares com a esposa e os filhos, a degustação de um bom vinho em casa, as partidas de escova...
Estendida não só aos filhos, mas a amigos e funcionários, a conhecida postura exigente, durona e por vezes arredia de Sartori – herança da criação na colônia – mescla-se à porção piadista, que há uma semana colocou o então candidato no centro de uma polêmica sobre o piso salarial do magistério.
Passado o escorregão, será o piso do Piratini o novo chão de Sartori a partir do dia 1º de janeiro.
Alguns dos depoimentos em itálico desta matéria foram extraídos da biografia Andanças, escrita por Marcos Kirst, Paulo Cancian e Antonio Feldmann.
Fonte: Jornal Zero Hora (Porto Alegre RS)
Fonte: Jornal Zero Hora (Porto Alegre RS)