(2011) Estamira
Gomes de Souza, personagem-título de documentário vencedor de 33
prêmios nacionais e internacionais, morreu no último dia 28, no Rio
de Janeiro. Ela tinha 72 anos e estava internada com septicemia –
infecção generalizada – no Hospital Miguel Couto, na
Gávea. Estamira (2004), dirigido por Marcos Prado,
ganhou projeção quando venceu a Mostra Internacional de Cinema de
São Paulo, em 2005.
Prado conheceu a
catadora de lixo quando fotografava no aterro de Gamacho, na Baixada
Fluminense. A senhora de pouco mais de 60 anos se aproximou dele e
disse que tinha uma missão: revelar “a verdade”. Ele voltou
outras vezes ao local e, ao conversar com a “louca do lixão”,
como ela era conhecida, se impressionou com os lampejos de lucidez
durante os discursos aparentemente confusos e arbitrários. Prado
decidiu retratar o cotidiano da catadora de lixo e tentar reunir os
fragmentos de seus vários mundos.
Nas
sequências filmadas no aterro, no barraco onde vivia ou na casa de
parentes, Estamira expressou sua revolta contra um “Deus
estuprador” e contra médicos “copiadores” de receitas. Em
diálogos com o neto da catadora de lixo, Prado levantou possíveis
alavancas de sua psicose: ela oscilou entre religiosidade e ceticismo
ao longo da vida, sofreu agressões sexuais e foi internada diversas
vezes em hospitais psiquiátricos – histórico semelhante ao de sua
mãe, que também tinha distúrbios mentais. “Ela era uma espécie
de Arthur Bispo do Rosário do verbo”, definiu Prado em entrevista
ao jornal Correio Braziliense, em alusão ao artista
plástico que viveu por anos internado em um manicômio e produziu
obras com sucatas. Estamira dá voz à marginalidade dos aterros e
dos hospícios. É um misto incômodo de posição social degradante
e de mente “anormal”. Não por acaso, o pano de fundo da
narrativa é o lixo descartado pela sociedade e que destoa da
paisagem da cidade maravilhosa. O corpo de Estamira foi enterrado no
dia 29 de julho, no cemitério do Caju, mesmo local onde sua mãe
está.