Por Gilrikardo
Hoje lembrei de um fato ocorrido lá pelos anos oitenta, ainda residia no Rio Grande do Sul, tche! Pois bem, pode parecer uma anedota, piada ou coisa parecida, mas é verdade verdadeira. Acredito que em qualquer recanto desse mundo "véio" sem fronteiras há de se encontrar histórias parecidas. Onde existirem pessoas, existirão "causos pitorescos" como diriam alguns. Mas então vamos lá, desembucha! Tá bom, lá vai.
O ocorrido deu-se com uma figura muito conhecida, vivia da herança deixada pela família, devido à isso nunca se interessou pelo trabalho, nem pelo estudo, levava a vida como se o dinheiro nunca fosse acabar. Para ajudar a passar o tempo, o índio aprendeu a jogar cartas, e deu no que tinha que dar. Passa ano entra ano, e lá está nosso amigo entre cartas e outras jogatinas. Trabalhar nas terras herdadas nem pensar. Arrumar emprego muito menos. Estudar, vixe!, fora de questão. O negócio dele era não fazer nada mesmo. Sem esforço algum. Enquanto existia patrimônio para queimar, beleza, ninguém teria nada a ver com isso. Levou a vida dessa maneira durante dez anos, tempo suficiente para dilapidar quase cem por cento daquilo que havia ganho na moleza. Para sorte do vivente, sobrou só uma casa de madeira que transformou-se em sua morada. E para ganhar a vida, virou garçom do carteado onde apostou a herança. Ganhava praticamente para comer. Quando passava na rua, imaginem cidade do interior, todos repetiam a história sem parar, perdi a conta das vezes que ouvi tais relatos, talvez por isso tenha a boa memória que me leva a escrever hoje. Continuando. O homem literalmente bateu no fundo do poço. Não dava para descer mais. Só morrendo. Nessas ocasiões sempre pinta algum espírito de porco para praticar "Bullying" (naquela época seria sacanear mesmo). Era um brigadiano (policial militar) cuja imagem nunca foi das melhores. Era uma noite de frio, temperatura próxima do zero grau, e estávamos reunidos num Bar e Café aproximadamente cinquenta e poucas pessoas, aliás, cinquenta e poucos bêbados, pois só bêbado para ficar até altas horas num lugar daqueles com o frio de congelar até as canelas. Digo isso de cadeira, pois muitas vezes fui lá encher a cara. Era o "point" da época em que andar de bota, chapéu e pala era comum. E assim bebericávamos em meio a balbúrdia, fumaça de cigarro, charuto e palheiro misturados ao cheiro de bosta de vaca e de cavalo que vinham encravadas nas botas, mais o cheiro de café feito na hora, muitos tomavam com "Graspa", uma espécie de cachaça feita com o álcool da uva. Lá pelas tantas alguém entrou e ao fechar a porta, devido ao vento, escapou-lhe das mãos e deu um estrondo, todos olharam, era o nosso homem da herança, conhecido como Bergamota. Meio encabulado pelo ocorrido, baixou a cabeça e pediu um cafezinho. Lá do outro lado do salão, a vinte poucos metros, o brigadiano metido, era "otoridade". Cheio de trejeitos, bem afrescalhado mesmo, aquele tipo que se acha único e o melhor do mundo em todos os sentidos, escroto mesmo, pois bem, soltou a voz, gritou bem alto para todo mundo ouvir:
--E aí Bergamota, que tu vais fazer agora, contes pra nós, que tu vais fazer depois de enfiar todo o dinheiro no cú, perder uma fazenda no carteado, viver por aí qual mendigo quando poderia estar com a égua na sombra. Agora que você não representa mais nada, vais fazer o quê?
E o Bergamota quieto ouvindo tudo, olhou para o interlocutor, ergueu a cabeça (hoje mais do que nunca entendi o gesto) e com a calma dos justos, simplesmente respondeu:
--Bem, agora vou ser brigadiano!
Silêncio geral, uma quietude de uns trinta segundos, suficiente para marcar a cara de espanto de todos que ali estavam. A partir daquele dia, o Bergamota angariou dezenas de simpatizantes que até lhe facilitaram a vida, e o brigadiano metido, nunca mais apareceu por lá. Virou a piada da cidade até hoje, trinta anos depois. Dizem que são coisas da vida.