O ABC não é mais o mesmo
O Estado de S.Paulo
O ano de 2014 está sendo um pesadelo para os trabalhadores das montadoras de automóveis que antes achavam que pertenciam a uma elite privilegiada na classe operária brasileira. "De 2000 para cá, este foi o ano que teve mais paradas de produção", lamentou Rafael Marques, presidente do Sindicato dos Metalúrgicos do ABC, cargo do qual partiram para o poder político o ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva, o ex-ministro Luiz Marinho, prefeito de São Bernardo do Campo, Jair Meneguelli e os deputados Devanir Ribeiro e Vicente Paulo da Silva, Vicentinho.
O glamour da época das greves e privilégios distribuídos nos governos Lula foram substituídos pela preocupação com a produção e o emprego. Segundo reportagem de Cleide Silva no Estado, intitulada 2014 tem recorde de PDVs, lay-offs e férias coletivas, "nunca tantas montadoras recorreram à suspensão temporária de contratos de trabalho, férias coletivas, semanas curtas de trabalho e programas de demissão voluntária (PDV) num único ano. Em 2014, esses expedientes foram adotados em quase todos os meses, numa espécie de rodízio entre a maioria das empresas para driblar a ociosidade das fábricas, que supera os 20%". Segundo a Associação Nacional dos Fabricantes de Veículos Automotores (Anfavea), a produção caiu 15,5% até novembro deste ano em relação a 2013. O setor cortou 10 mil postos de trabalho e emprega 147 mil pessoas.
A Mercedes-Benz começou dezembro decretando cinco semanas de férias coletivas nas fábricas de São Bernardo do Campo, no ABC, e de Juiz de Fora (MG), o mais longo período nos últimos dez anos na empresa, que também tem 1,2 mil trabalhadores em lay-off. A Ford vai parar por quatro semanas, o dobro do ano passado. A General Motors (GM) dará férias de um mês para o pessoal de São Caetano do Sul e de São José dos Campos e há um lay-off em andamento. Durante o lay-off, o operário é dispensado de trabalhar por até cinco meses, período em que recebe parte do salário da empresa e parte do Fundo de Amparo ao Trabalhador (FAT) e que aproveita para fazer cursos de requalificação. A empresa não recolhe, durante esse prazo, Fundo de Garantia do Tempo de Serviço (FGTS) nem a contribuição para o Instituto Nacional de Seguro Social (INSS). A Volkswagen queria abrir um PDV em janeiro na fábrica de São Bernardo, mas o sindicato não aceitou.
"Nos últimos 20 anos nunca tinha visto uma situação dessas em nossa base", disse o presidente do Sindicato dos Metalúrgicos de São Caetano do Sul, Aparecido Inácio da Silva. Ele informou que no início do ano a meta estabelecida com a direção da GM para a Participação nos Lucros e Resultados era a produção de 285 mil veículos. "Agora estamos torcendo para que chegue ao menos a 230 mil", disse. Apesar dos incentivos tarifários dados pelos governos petistas nos últimos 12 anos - redução de imposto constantemente renovada e crédito a perder de vista - e das medidas adotadas pelas fábricas para reduzir a produção depois das quedas acentuadas de vendas no primeiro semestre deste ano, os estoques nos pátios e revendas continuam muito altos, calculados em cerca de 400 mil. As medidas adotadas também não evitaram demissões.
Os fornecedores de insumos às montadoras, evidentemente, também sofrem os efeitos dos pátios cheios de carros parados. Segundo o Sindicato Nacional da Indústria de Componentes para Veículos Automotores (Sindipeças), 80% do setor acompanhará as decisões tomadas pelas linhas de montagem.
Sem ter a antiga importância como polo industrial, o ABC paulista é a região mais atingida pela crise da indústria automobilística. Pela primeira vez desde 1990, a balança comercial da região fechará 2014 no vermelho. Levantamento feito pela revista Época revela que o desemprego na região aumentou de 10,1% em 2011 para 11,3% em agosto de 2014. Isso prejudicou o PT, que tem no ABC seu berço, na eleição. A primeira vítima foi a presidente Dilma Rousseff, que perdeu em cinco e só venceu em duas cidades do ABC. Vicentinho assegurou seu quarto mandato na Câmara, mas sua votação caiu: obteve 141 mil votos em 2010 e 89 mil este ano, 51 mil menos.