DE SÃO PAULO
A mídia internacional, no noticiário ontem publicado sobre a condenação
de José Dirceu, José Genoino e Delúbio Soares pelo Supremo Tribunal
Federal, desnuda por completo a tese da conspiração golpista, esgrimida
pelos hidrófobos do lulo-petismo.
Tome-se, por exemplo, o texto de Juan Arias para "El País" (jornalista e
jornal que jamais hostilizaram os governos Lula e Dilma): "O que mais
se estranhou na condenação de Dirceu (...) é que tenha sido consumada
por um tribunal no qual, dos 11 magistrados, oito foram designados por
Lula e pela atual presidenta, Dilma Rousseff".
Acrescento que tanto o procurador que fez a denúncia inicial como o atual, Roberto Gurgel, foram igualmente designados por Lula.
"Não se trata, pois, de uma condenação levada a cabo a partir das
fileiras da oposição, mas de magistrados amigos todos de Lula", conclui
Arias.
Desmascara completamente a teoria da conspiração golpista que
blogueiros, a mídia e intelectuais chapa-branca inventaram safadamente.
Era a maneira calhorda que acharam de, apanhados com a mão no bolso
alheio, gritar "pega ladrão" para desviar a atenção.
Não funcionou. Para Arias, o que funcionou foi "catarse de tipo ético
levada a cabo internamente por simpatizantes do partido condenado".
Catarse que, de certa forma, faz o ator Odilon Wagner, petista de toda a
vida, para quem o julgamento foi "exemplar". E lamentou: "Um partido
que realizou avanços sociais impressionantes não precisava disso [do
mensalão]".
Catarse que faz também o governador gaúcho Tarso Genro, igualmente
petista de toda a vida, que disse a Lisandra Paraguassu, do "Estadão":
"Que tem pessoas que cometeram ilegalidades, não tenho dúvida. Seria
debochar da Justiça do país e do processo dos inquéritos achar que todo
mundo é inocente".
Ao contrário de debochar, a mídia internacional de qualidade louva o
Judiciário brasileiro. Do "Financial Times", por exemplo: "A condenação
de Dirceu é um grande passo para o Brasil, onde as cortes têm sido
tradicionalmente tímidas em punir corrupção".
De Simon Romero, o excelente correspondente do "New York Times": "O fato
de que o julgamento está avançando até a fase de atingir congressistas,
membros do partido governante e funcionários graduados que trabalharam
diretamente sob um dos presidentes mais populares aponta para um raro
avanço em `accountability' política e uma marca crucial de independência
do sistema legal".
"Accountability" não tem tradução precisa nem em português nem em
espanhol. A mais próxima é "prestação de contas", mas fica aquém da
força em inglês.
Não sou entusiasta da teoria, muito disseminada, de que o julgamento do
mensalão mudou o Brasil. Quando da campanha das "Diretas Já", parecia
também que o país levara uma baita sacudida, só para que, quando as
diretas de fato chegassem, quatro anos depois, a maioria votasse em
Fernando Collor de Mello, um baita retrocesso. Veremos agora se,
pós-mensalão, a impunidade será de fato desterrada.
crossi@uol.com.br
Clóvis Rossi é repórter especial e membro do Conselho Editorial da Folha, ganhador dos prêmios Maria Moors Cabot (EUA) e da Fundación por un Nuevo Periodismo Iberoamericano. Assina coluna às terças, quintas e domingos no caderno "Mundo". É autor, entre outras obras, de "Enviado Especial: 25 Anos ao Redor do Mundo" e "O Que é Jornalismo". Escreve às terças, quintas e domingos na versão impressa do caderno "Mundo" e às sextas no site.