Por Janer Cristaldo (in memoriam)
terça-feira, abril 05, 2011
Jair Bolsonaro é um deputado boquirroto, que não costuma medir as conseqüências do que diz. Recentemente, em entrevista a Preta Gil, a filha do pai aquele que gosta de financiar seus shows com dinheiro do contribuinte, ao ser interrogado qual seria a sua reação se um filho seu namorasse uma negra, respondeu: “Preta, não vou discutir promiscuidade com quer que seja. Eu não corro esse risco, e meus filhos foram muito bem educados e não viveram em um ambiente como, lamentavelmente, é o teu”.
A resposta é de uma imbecilidade atroz. Mas, pelo que sei, ser imbecil não é crime neste país. O deputado foi enquadrado por crime de racismo. Tentando defender-se, saiu pela tangente. “Eu entendi que ela me perguntou o que eu faria se meu filho namorasse um gay. Se eu tivesse entendido assim, eu diria: 'meu filho pode namorar qualquer uma, desde que não seja uma com o teu comportamento'. Se eu fosse racista, eu não seria maluco de declarar isso numa televisão”.
A emenda saiu pior que o soneto. Bolsonaro está sendo agora acusado também de homofobia, figura penal que sequer foi tipificada mas já constitui um estigma para quem quer que ouse criticar o comportamento homossexual. Sua cabeça está sendo pedida por colegas de parlamento, ativistas negros e militantes gays. Há quem peça sua cassação e há quem peça sua prisão. Estes senhores estão negando o direito de um pai a ter preferências quanto à sua nora. Que nenhum pai pode determinar, cá no Ocidente, com quem casará sua filha ou filho, isto é líquido e certo. Mas nada o impede de preferir que seu filho ou filha case com um branco ou uma branca, com um negro ou com uma negra.
Divertido mundo este nosso. Tudo depende de quem diz o quê. Quando a senadora Marta Suplicy, em plena luta eleitoral, insinuou a homossexualidade de Gilberto Kassab, ninguém pediu sua cassação. A ministra é petista, pode dizer o que bem entende e nada do que disser constitui crime. Mas não precisa ser petista, basta ser negra e tem todo direito a dizer qualquer coisa.
Em março de 2007, a ministra Matilde Ribeiro, da Secretaria Especial de Política da Promoção da Igualdade Racial, declarou:
"Não é racismo quando um negro se insurge contra um branco. Racismo é quando uma maioria econômica, política ou numérica coíbe ou veta direitos de outros. A reação de um negro de não querer conviver com um branco, ou não gostar de um branco, eu acho uma reação natural, embora eu não esteja incitando isso. Não acho que seja uma coisa boa. Mas é natural que aconteça, porque quem foi açoitado a vida inteira não tem obrigação de gostar de quem o açoitou".
Ou seja, se um branco prefere que um filho não conviva com negra, estamos diante de um caso de racismo. Se um negro não quiser conviver com um branco, abençoado seja. É como se o branco fosse obrigado a gostar de negros. Quanto a negros, não têm obrigação nenhuma de gostar de brancos.
Há um enfoque errado nesta história toda, provável herança daquela proposta estúpida do Cristo: amai-vos uns aos outros. Ora, eu amo quem me apraz amar. E detesto a quem detesto. Só o que faltava proibir alguém de detestar alguém. Não gostar de negros – ou de brancos – nunca foi racismo. Racismo é negar os direitos de alguém, só porque é negro ou branco, amarelo ou azul. Aos que hoje pedem a cabeça de Bolsonaro, jamais ocorreria pedir a cabeça da Matilde.
Trocando os queijos de bolso, Silvio Berlusconi, o primeiro-ministro italiano, que começa a ser julgado amanhã em Milão, por ter mantido relações com uma – e muitas outras – prostitutas. Berlusconi é acusado de abuso de poder e incitação à prostituição de menores. No caso, a marroquina Karima El Mahroug, conhecida como "Ruby", profissional ao que tudo indica de longa quilometragem. De acordo com a acusação, Ruby, nascida em 1.º de novembro de 1992, teve relações sexuais com o primeiro-ministro em 13 ocasiões na residência dele em Arcore, perto de Milão, entre 14 de fevereiro e 2 de maio de 2010, quando tinha 17 anos e era menor de idade.
Ora, em um mundo em que meninas de 14 anos têm mais experiência sexual que suas mães, só o que faltava condenar alguém por ter relações com uma de 17. E muito menos por ter relações com prostitutas. Estas moças existem desde os primórdios da humanidade e tiveram inclusive grande prestígio em épocas passadas, particularmente na Roma e Grécia antigas. Foram estigmatizadas pelo cristianismo, religião para qual todo prazer é pecado. Mas não é disto que queria falar. E sim de Berlusconi.
Berlusconi não pode se permitir pagar mulheres. É de direita. Fosse de esquerda, ninguém teria nada contra. Poderia inclusive pensar em um prêmio Nobel da Paz. Foi o caso de Martin Luther King, emérito cultor do bom esporte. Com uma diferença. Enquanto Berlusconi paga suas piguanchas de seu próprio bolso, Luther King as pagava com o dinheiro arrecadado em suas campanhas em prol dos direitos dos negros.
A última noite de sua vida foi passada em um motel, onde King fez sexo com duas mulheres, enquanto batia e abusava fisicamente de uma terceira. A orgia foi gravada pela FBI e se encontra no arquivo que um juiz simpatizante de King proibiu de ser aberto. No entanto, alguns detalhes foram vazados em livro do ex-agente do FBI William C. Sullivan, e de acordo com o livro, MLK pode ser ouvido nas fitas gritando coisas como "eu estou fodendo em nome de Deus!" e "esta noite eu não sou negro”.
Marta Suplicy, petista, pode insinuar que Kassab é bicha. Dona Matilde Ribeiro, negra, pode afirmar que um negro não querer conviver com um branco, ou não gostar de um branco, é natural. Bolsonaro é racista quando diz preferir que seu filho não se relacione com uma negra. Berlusconi é um criminoso quando se relaciona com prostitutas. Luther King, negro e comunista, é prêmio Nobel da Paz.
Resumindo: se você for mulher, negro ou comunista, pode dizer e fazer o que bem entender. Se for homem, branco e não for de esquerda, melhor tomar cuidado com o que diz.
terça-feira, abril 05, 2011
Jair Bolsonaro é um deputado boquirroto, que não costuma medir as conseqüências do que diz. Recentemente, em entrevista a Preta Gil, a filha do pai aquele que gosta de financiar seus shows com dinheiro do contribuinte, ao ser interrogado qual seria a sua reação se um filho seu namorasse uma negra, respondeu: “Preta, não vou discutir promiscuidade com quer que seja. Eu não corro esse risco, e meus filhos foram muito bem educados e não viveram em um ambiente como, lamentavelmente, é o teu”.
A resposta é de uma imbecilidade atroz. Mas, pelo que sei, ser imbecil não é crime neste país. O deputado foi enquadrado por crime de racismo. Tentando defender-se, saiu pela tangente. “Eu entendi que ela me perguntou o que eu faria se meu filho namorasse um gay. Se eu tivesse entendido assim, eu diria: 'meu filho pode namorar qualquer uma, desde que não seja uma com o teu comportamento'. Se eu fosse racista, eu não seria maluco de declarar isso numa televisão”.
A emenda saiu pior que o soneto. Bolsonaro está sendo agora acusado também de homofobia, figura penal que sequer foi tipificada mas já constitui um estigma para quem quer que ouse criticar o comportamento homossexual. Sua cabeça está sendo pedida por colegas de parlamento, ativistas negros e militantes gays. Há quem peça sua cassação e há quem peça sua prisão. Estes senhores estão negando o direito de um pai a ter preferências quanto à sua nora. Que nenhum pai pode determinar, cá no Ocidente, com quem casará sua filha ou filho, isto é líquido e certo. Mas nada o impede de preferir que seu filho ou filha case com um branco ou uma branca, com um negro ou com uma negra.
Divertido mundo este nosso. Tudo depende de quem diz o quê. Quando a senadora Marta Suplicy, em plena luta eleitoral, insinuou a homossexualidade de Gilberto Kassab, ninguém pediu sua cassação. A ministra é petista, pode dizer o que bem entende e nada do que disser constitui crime. Mas não precisa ser petista, basta ser negra e tem todo direito a dizer qualquer coisa.
Em março de 2007, a ministra Matilde Ribeiro, da Secretaria Especial de Política da Promoção da Igualdade Racial, declarou:
"Não é racismo quando um negro se insurge contra um branco. Racismo é quando uma maioria econômica, política ou numérica coíbe ou veta direitos de outros. A reação de um negro de não querer conviver com um branco, ou não gostar de um branco, eu acho uma reação natural, embora eu não esteja incitando isso. Não acho que seja uma coisa boa. Mas é natural que aconteça, porque quem foi açoitado a vida inteira não tem obrigação de gostar de quem o açoitou".
Ou seja, se um branco prefere que um filho não conviva com negra, estamos diante de um caso de racismo. Se um negro não quiser conviver com um branco, abençoado seja. É como se o branco fosse obrigado a gostar de negros. Quanto a negros, não têm obrigação nenhuma de gostar de brancos.
Há um enfoque errado nesta história toda, provável herança daquela proposta estúpida do Cristo: amai-vos uns aos outros. Ora, eu amo quem me apraz amar. E detesto a quem detesto. Só o que faltava proibir alguém de detestar alguém. Não gostar de negros – ou de brancos – nunca foi racismo. Racismo é negar os direitos de alguém, só porque é negro ou branco, amarelo ou azul. Aos que hoje pedem a cabeça de Bolsonaro, jamais ocorreria pedir a cabeça da Matilde.
Trocando os queijos de bolso, Silvio Berlusconi, o primeiro-ministro italiano, que começa a ser julgado amanhã em Milão, por ter mantido relações com uma – e muitas outras – prostitutas. Berlusconi é acusado de abuso de poder e incitação à prostituição de menores. No caso, a marroquina Karima El Mahroug, conhecida como "Ruby", profissional ao que tudo indica de longa quilometragem. De acordo com a acusação, Ruby, nascida em 1.º de novembro de 1992, teve relações sexuais com o primeiro-ministro em 13 ocasiões na residência dele em Arcore, perto de Milão, entre 14 de fevereiro e 2 de maio de 2010, quando tinha 17 anos e era menor de idade.
Ora, em um mundo em que meninas de 14 anos têm mais experiência sexual que suas mães, só o que faltava condenar alguém por ter relações com uma de 17. E muito menos por ter relações com prostitutas. Estas moças existem desde os primórdios da humanidade e tiveram inclusive grande prestígio em épocas passadas, particularmente na Roma e Grécia antigas. Foram estigmatizadas pelo cristianismo, religião para qual todo prazer é pecado. Mas não é disto que queria falar. E sim de Berlusconi.
Berlusconi não pode se permitir pagar mulheres. É de direita. Fosse de esquerda, ninguém teria nada contra. Poderia inclusive pensar em um prêmio Nobel da Paz. Foi o caso de Martin Luther King, emérito cultor do bom esporte. Com uma diferença. Enquanto Berlusconi paga suas piguanchas de seu próprio bolso, Luther King as pagava com o dinheiro arrecadado em suas campanhas em prol dos direitos dos negros.
A última noite de sua vida foi passada em um motel, onde King fez sexo com duas mulheres, enquanto batia e abusava fisicamente de uma terceira. A orgia foi gravada pela FBI e se encontra no arquivo que um juiz simpatizante de King proibiu de ser aberto. No entanto, alguns detalhes foram vazados em livro do ex-agente do FBI William C. Sullivan, e de acordo com o livro, MLK pode ser ouvido nas fitas gritando coisas como "eu estou fodendo em nome de Deus!" e "esta noite eu não sou negro”.
Marta Suplicy, petista, pode insinuar que Kassab é bicha. Dona Matilde Ribeiro, negra, pode afirmar que um negro não querer conviver com um branco, ou não gostar de um branco, é natural. Bolsonaro é racista quando diz preferir que seu filho não se relacione com uma negra. Berlusconi é um criminoso quando se relaciona com prostitutas. Luther King, negro e comunista, é prêmio Nobel da Paz.
Resumindo: se você for mulher, negro ou comunista, pode dizer e fazer o que bem entender. Se for homem, branco e não for de esquerda, melhor tomar cuidado com o que diz.
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A CHISPA DA FERRADURA *
Uma declaração da ministra Matilde Ribeiro, da Secretaria Especial de Política da Promoção da Igualdade Racial, em uma entrevista à BBC Brasil, está merecendo o repúdio da imprensa, das autoridades em geral e até mesmo de líderes negros. Disse a ministra:
"Não é racismo quando um negro se insurge contra um branco. Racismo é quando uma maioria econômica, política ou numérica coíbe ou veta direitos de outros. A reação de um negro de não querer conviver com um branco, ou não gostar de um branco, eu acho uma reação natural, embora eu não esteja incitando isso. Não acho que seja uma coisa boa. Mas é natural que aconteça, porque quem foi açoitado a vida inteira não tem obrigação de gostar de quem o açoitou".
A ministra disse bobagens, é verdade. Mas nem tudo que a ministra disse é bobagem. Vamos por partes.
Não é racismo quando um negro se insurge contra um branco.
Pode ser e pode não ser. Se o negro se insurge contra o branco só porque o branco é branco, estamos diante de um caso óbvio de racismo. Se se insurge contra o branco porque está sendo, por exemplo, explorado pelo branco em sua força de trabalho, o problema não é mais de raça, mas de justiça. Sem falar que o verbo insurgir é vago.
Na primeira acepção do Aurélio, temos sublevar, revolucionar, revoltar, rebelar, insubordinar, insurrecionar. A ministra foi infeliz na escolha desta palavra, que foi posta na moda pelos brancos de boa cepa americana. Insurgency e insurgent foram os eufemismos que a imprensa americana encontrou para eludir palavrinhas que desde a guerra do Vietnã chocam os americanos, como guerrilha e guerrilheiro. A imprensa brasileira seguiu como dócil rebanho a orientação dos coleguinhas ianques.
A palavra tem um nítido sentido de revolta contra um poder. Se a ministra se referia ao negro brasileiro, a palavra não tem sentido algum, pois não se pode falar de um poder branco no Brasil, tanto que ela é ministra.
Racismo é quando uma maioria econômica, política ou numérica coíbe ou veta direitos de outros.
Pelo jeito, a ministra sentiu-se na obrigação de dizer qualquer coisa e proferiu a primeira bobagem que lhe passou pela cabeça. O mundo está cheio de maiorias brancas explorando brancos, maiorias negras explorando negros e é claro que nisto não há nenhum viés racial.
A reação de um negro de não querer conviver com um branco, ou não gostar de um branco, eu acho uma reação natural.
Esta parece ter sido a frase que mais repulsa causou. E aqui vou defender a ministra. Ninguém é obrigado a gostar de alguém. Este pensamento é o pior legado do cristianismo, o famigerado amor ao próximo. Ao instituir como mandamento o amor ao próximo, os cristãos abolem o nobre sentimento da amizade, que é uma escolha eletiva. Nós escolhemos para amigos as pessoas de quem gostamos, e não necessariamente o vizinho de porta ou colega de trabalho. Ordenar a alguém que ame seu próximo é mandamento de bíblica brutalidade.
Inversamente, sempre defendi a tese de que um branco não tem obrigação alguma de gostar de negros. Podemos gostar ou não gostar, e nisto não vai nenhum racismo. O racismo está em considerar um ser inferior em função de sua cor ou raça, em negar-lhe direitos em função de cor ou raça. Não gosto nem desgosto de alguém pela cor da pele. Me criei convivendo com negros, tive bons amigos negros e também conheci negros abomináveis. Entre estes situo aqueles que quando um garçom demora cinco minutos, logo jogam na mesa a moeda racial: "tá demorando porque eu sou negro". Deste tipo de negro procuro manter distância.
Acho, como a ministra, perfeitamente natural que um negro não goste de brancos ou com eles não queira conviver. (E vice-versa). Foi a chispa da ferradura quando bate na calçada, como dizia Agripino Grieco. Pois na frase seguinte a ministra volta a proferir bobagens.
Mas é natural que aconteça, porque quem foi açoitado a vida inteira não tem obrigação de gostar de quem o açoitou.Supõe-se que a ministra fale do Brasil. Ora, mesmo metaforicamente, a frase é totalmente vazia de sentido. Vivi em quatro Estados no sul do país, justo os Estados de predominância branca, e nunca vi em minhas seis décadas de vida nenhum sendo maltratado. Nem no campo, onde me criei, nem na cidade, onde me eduquei. Em quase meio século de bares, nunca vi um negro deixar de ser servido, ou ser mal servido, por sua cor.
Não há negro algum sendo açoitado a vida inteira neste país, ministra. A ministra está contrabandeando para o Brasil o ódio racial ainda existente nos Estados Unidos, aquele país que não aceita a miscigenização. Lá não existe o conceito de mulato. Uma gota de sangue negro dezesseis gerações atrás faz do mais branco dos americanos irremediavelmente um negro. O imenso contingente de mulatos deste país, que quase alcança o número de brancos, é o atestado definitivo de que aqui não se açoita negros a vida inteira.
Não fica bem para uma ministra proferir tais bobagens.
(*)28 março 2007
A CHISPA DA FERRADURA *
Uma declaração da ministra Matilde Ribeiro, da Secretaria Especial de Política da Promoção da Igualdade Racial, em uma entrevista à BBC Brasil, está merecendo o repúdio da imprensa, das autoridades em geral e até mesmo de líderes negros. Disse a ministra:
"Não é racismo quando um negro se insurge contra um branco. Racismo é quando uma maioria econômica, política ou numérica coíbe ou veta direitos de outros. A reação de um negro de não querer conviver com um branco, ou não gostar de um branco, eu acho uma reação natural, embora eu não esteja incitando isso. Não acho que seja uma coisa boa. Mas é natural que aconteça, porque quem foi açoitado a vida inteira não tem obrigação de gostar de quem o açoitou".
A ministra disse bobagens, é verdade. Mas nem tudo que a ministra disse é bobagem. Vamos por partes.
Não é racismo quando um negro se insurge contra um branco.
Pode ser e pode não ser. Se o negro se insurge contra o branco só porque o branco é branco, estamos diante de um caso óbvio de racismo. Se se insurge contra o branco porque está sendo, por exemplo, explorado pelo branco em sua força de trabalho, o problema não é mais de raça, mas de justiça. Sem falar que o verbo insurgir é vago.
Na primeira acepção do Aurélio, temos sublevar, revolucionar, revoltar, rebelar, insubordinar, insurrecionar. A ministra foi infeliz na escolha desta palavra, que foi posta na moda pelos brancos de boa cepa americana. Insurgency e insurgent foram os eufemismos que a imprensa americana encontrou para eludir palavrinhas que desde a guerra do Vietnã chocam os americanos, como guerrilha e guerrilheiro. A imprensa brasileira seguiu como dócil rebanho a orientação dos coleguinhas ianques.
A palavra tem um nítido sentido de revolta contra um poder. Se a ministra se referia ao negro brasileiro, a palavra não tem sentido algum, pois não se pode falar de um poder branco no Brasil, tanto que ela é ministra.
Racismo é quando uma maioria econômica, política ou numérica coíbe ou veta direitos de outros.
Pelo jeito, a ministra sentiu-se na obrigação de dizer qualquer coisa e proferiu a primeira bobagem que lhe passou pela cabeça. O mundo está cheio de maiorias brancas explorando brancos, maiorias negras explorando negros e é claro que nisto não há nenhum viés racial.
A reação de um negro de não querer conviver com um branco, ou não gostar de um branco, eu acho uma reação natural.
Esta parece ter sido a frase que mais repulsa causou. E aqui vou defender a ministra. Ninguém é obrigado a gostar de alguém. Este pensamento é o pior legado do cristianismo, o famigerado amor ao próximo. Ao instituir como mandamento o amor ao próximo, os cristãos abolem o nobre sentimento da amizade, que é uma escolha eletiva. Nós escolhemos para amigos as pessoas de quem gostamos, e não necessariamente o vizinho de porta ou colega de trabalho. Ordenar a alguém que ame seu próximo é mandamento de bíblica brutalidade.
Inversamente, sempre defendi a tese de que um branco não tem obrigação alguma de gostar de negros. Podemos gostar ou não gostar, e nisto não vai nenhum racismo. O racismo está em considerar um ser inferior em função de sua cor ou raça, em negar-lhe direitos em função de cor ou raça. Não gosto nem desgosto de alguém pela cor da pele. Me criei convivendo com negros, tive bons amigos negros e também conheci negros abomináveis. Entre estes situo aqueles que quando um garçom demora cinco minutos, logo jogam na mesa a moeda racial: "tá demorando porque eu sou negro". Deste tipo de negro procuro manter distância.
Acho, como a ministra, perfeitamente natural que um negro não goste de brancos ou com eles não queira conviver. (E vice-versa). Foi a chispa da ferradura quando bate na calçada, como dizia Agripino Grieco. Pois na frase seguinte a ministra volta a proferir bobagens.
Mas é natural que aconteça, porque quem foi açoitado a vida inteira não tem obrigação de gostar de quem o açoitou.Supõe-se que a ministra fale do Brasil. Ora, mesmo metaforicamente, a frase é totalmente vazia de sentido. Vivi em quatro Estados no sul do país, justo os Estados de predominância branca, e nunca vi em minhas seis décadas de vida nenhum sendo maltratado. Nem no campo, onde me criei, nem na cidade, onde me eduquei. Em quase meio século de bares, nunca vi um negro deixar de ser servido, ou ser mal servido, por sua cor.
Não há negro algum sendo açoitado a vida inteira neste país, ministra. A ministra está contrabandeando para o Brasil o ódio racial ainda existente nos Estados Unidos, aquele país que não aceita a miscigenização. Lá não existe o conceito de mulato. Uma gota de sangue negro dezesseis gerações atrás faz do mais branco dos americanos irremediavelmente um negro. O imenso contingente de mulatos deste país, que quase alcança o número de brancos, é o atestado definitivo de que aqui não se açoita negros a vida inteira.
Não fica bem para uma ministra proferir tais bobagens.
(*)28 março 2007
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