O socialismo real foi a maior fantasia do Século XX.
A falência do comunismo deveu-se a erro humano ou a deficiências inerentes à sua própria natureza? O registro da História assinala, consistentemente, que a última hipótese é a verdadeira.
Desde aquele dia de outubro de 1917, em que os bolcheviques tomaram o Poder na Rússia, ocorreram dezenas de tentativas, em todas as partes do mundo, de instalar sociedades baseadas nos princípios inventados por Marx e Engels. Moscou sempre as apoiou generosamente com dinheiro, armas e orientação. Praticamente todas fracassaram. Ao final, o chamado socialismo real faliu também na União Soviética, e hoje sobrevive, embora em processo de erosão, apenas na China, Coréia do Norte, Vietnã e Cuba.
Centenas de estudos publicados a partir de 1991 alinham uma variedade de explicações para esse evento dramático: estagnação da economia, derrota no Afeganistão, incapacidade de acompanhar a corrida armamentista e outras. Sem dúvida, cada um desses fatores desempenhou seu papel mas não teriam, por si sós, derrubado um império poderoso se ele não fosse um organismo doente desde o seu nascimento.
O marxismo, fundamento teórico do comunismo, carregava em si as sementes de sua própria destruição, sementes atribuídas por Marx e Engels, incorretamente, ao capitalismo. A versão marxista de que a natureza humana é infinitamente maleável e, portanto, que uma combinação de coerção e educação poderia produzir seres isentos de qualquer consumismo e dispostos a se dissolveram na sociedade, demonstrou, na prática, ser errônea.
Mesmo que as fortes pressões exercidas pelos regimes comunistas com esse fim fossem bem sucedidas, esse sucesso seria efêmero pois, como os domadores descobriram, os animais, depois de serem submetidos a um treinamento intensivo para realizar proezas, se ficarem algum tempo sem adestramento esquecerão o que aprenderam e voltarão ao seu comportamento instintivo. Além disso, como essas características não podem ser obtidas por hereditariedade, cada nova geração introduziria no mundo práticas e atitudes não-comunistas. Isso significa que, na verdade, o comunismo foi derrotado por sua incapacidade de remodelar a natureza humana.
Ora, isso fez com que os regimes comunistas recorressem à violência como um meio rotineiro de governar. Compelir as pessoas a abrirem mão do que possuem e a desistirem de seus interesses privados em prol do Estado todo-poderoso requer que os ditadores de plantão disponham de autoridade ilimitada. Foi isso que Lênin pretendeu quando definiu a “ditadura do proletariado” como o “poder que não é limitado por nada, por nenhuma lei, que não é coibido por nenhuma regra, que depende diretamente da coerção”.
Ao defender um regime que depende da coerção, Lênin supôs que ele seria temporário; que essa missão, depois de cumprida, o Estado coercitivo se atrofiaria. Ele ignorava, no entanto, que a abstração denominada “Estado” é composta de indivíduos que, independentemente de sua missão histórica, cuidam também de seus interesses particulares.
Apesar de, na “teoriacientífica” do marxismo-leninismo, o Estado atuar apenas sobre os proprietários dos meios de produção, sem ganhar nenhuma participação, os administradores desse Estado – os membros do Partido Comunista - logo se desenvolveram em uma nova classe: a nomenklatura, uma casta hereditária privilegiada sem competência e motivação para operar as transformações exigidas pela “doutrina”. E o partido, que tomou o Poder antecipando uma nova era, desde o primeiro momento tornou-se um fim em si mesmo.
Observe-se que ao Estado não restou alternativa senão atender a essa nova classe porque passou a depender dela para permanecer no Poder. Essa nova classe cresceu e desenvolveu-se rapidamente pela simples razão de que, na medida em que todos os aspectos da vida nacional passaram a ser controlados pelo Estado-patrão, passou a requerer uma enorme burocracia para administrá-lo. Essa burocracia, afinal, transformou-se no bode expiatório de todos os regimes comunistas, ainda que nenhum pudesse se virar sem ela.
Portanto, o partido, para obter a igualdade de posses, teve que institucionalizar a desigualdade de direitos.
Na medida em que a propriedade é um conceito legal, cumprido pelos tribunais, isso significa que o reconhecimento de que o Estado é limitado pela Lei. Todavia, a meta do comunismo – a abolição da propriedade – levou sempre, em todos os lugares, à abolição da liberdade e da legalidade representada por esses mesmos tribunais.
Longe de libertar o homem da escravidão às coisas, como Marx e Engels erradamente imaginaram, a abolição da propriedade privada e a nacionalização dos meios de produção converteu-o em escravo dos seus governantes e, devido à escassez endêmica, tornou-o mais materialista do que nunca.
Todas essas deficiências inerentes à doutrina foram reconhecidas por muitos comunistas, levando-os a vários “revisionismos”. Para os crentes, entretanto, as falhas não comprovavam que a doutrina estava errada, mas sim que não havia sido aplicada com crueldade suficiente.
Duas razões podem ser alinhadas para explicar porque o comunismo fracassou e é uma doutrina falida: a primeira é que para a igualdade vigorar – seu principal objetivo – tornou-se necessário criar um aparelho coercitivo que demandou privilégios e, conseqüentemente, negou a igualdade; a segunda é que fidelidades territoriais e étnicas, quando em conflito com a fidelidade a uma classe, em todos os lugares e em qualquer época, venceram de forma esmagadora, dissolvendo o comunismo em nacionalismo.
Ainda nos anos 20, quando a tão desejada revolução mundial, esperada por Lênin, não ocorreu, o regime soviético se engessou e com o tempo viu-se ameaçado por crescentes dificuldades internas, tais como a apatia e a passividade da população que levaram a um crescente declínio da economia e do poder militar. Essas dificuldades só poderiam ser resolvidas com um relaxamento da autoridade. Mas o relaxamento da autoridade subverteu todo o sistema, que dependia de uma organização de comando estritamente centralizado.
Assim, quando Gorbachev começou a mexer no sistema, a partir de meados dos anos 80, desenvolveram-se fissuras que levaram ao seu rompimento. Isso significou que o comunismo não é passível de reformas. Quer dizer, é incapaz de se ajustar a circunstâncias mutáveis. A sua rigidez levou à sua queda.
Gorbachev, durante cinco anos, desenvolveu um esforço fútil para deter o inevitável. Quando o governo soviético e o próprio país se desintegraram, em 1991, é significativo que os supostos guardiões da pureza ideológica – a nomenklatura – cederam sem resistência e se precipitaram nos recursos naturais e fábricas do país que não mais existiam, o que evidenciou de forma marcante o papel secundário desempenhado pela ideologia na política comunista.
Isso é evidenciado na biografia de Nikita Kruschev, sucessor de Stalin e grande-timoneiro da União Soviética de 1953 a 1964, escrita por seu filho, Sergei. Escreveu ele:
“Desde o meu tempo de estudante tentei e não consegui compreender exatamente o que era o comunismo (...) Tinha tentado fazer com que meu pai lançasse uma luz sobre a natureza do comunismo, mas não obtive nenhuma resposta inteligível. Percebi que tampouco a sua compreensão era clara a respeito”.
A falência do comunismo deveu-se a erro humano ou a deficiências inerentes à sua própria natureza? O registro da História assinala, consistentemente, que a última hipótese é a verdadeira.
Desde aquele dia de outubro de 1917, em que os bolcheviques tomaram o Poder na Rússia, ocorreram dezenas de tentativas, em todas as partes do mundo, de instalar sociedades baseadas nos princípios inventados por Marx e Engels. Moscou sempre as apoiou generosamente com dinheiro, armas e orientação. Praticamente todas fracassaram. Ao final, o chamado socialismo real faliu também na União Soviética, e hoje sobrevive, embora em processo de erosão, apenas na China, Coréia do Norte, Vietnã e Cuba.
Centenas de estudos publicados a partir de 1991 alinham uma variedade de explicações para esse evento dramático: estagnação da economia, derrota no Afeganistão, incapacidade de acompanhar a corrida armamentista e outras. Sem dúvida, cada um desses fatores desempenhou seu papel mas não teriam, por si sós, derrubado um império poderoso se ele não fosse um organismo doente desde o seu nascimento.
O marxismo, fundamento teórico do comunismo, carregava em si as sementes de sua própria destruição, sementes atribuídas por Marx e Engels, incorretamente, ao capitalismo. A versão marxista de que a natureza humana é infinitamente maleável e, portanto, que uma combinação de coerção e educação poderia produzir seres isentos de qualquer consumismo e dispostos a se dissolveram na sociedade, demonstrou, na prática, ser errônea.
Mesmo que as fortes pressões exercidas pelos regimes comunistas com esse fim fossem bem sucedidas, esse sucesso seria efêmero pois, como os domadores descobriram, os animais, depois de serem submetidos a um treinamento intensivo para realizar proezas, se ficarem algum tempo sem adestramento esquecerão o que aprenderam e voltarão ao seu comportamento instintivo. Além disso, como essas características não podem ser obtidas por hereditariedade, cada nova geração introduziria no mundo práticas e atitudes não-comunistas. Isso significa que, na verdade, o comunismo foi derrotado por sua incapacidade de remodelar a natureza humana.
Ora, isso fez com que os regimes comunistas recorressem à violência como um meio rotineiro de governar. Compelir as pessoas a abrirem mão do que possuem e a desistirem de seus interesses privados em prol do Estado todo-poderoso requer que os ditadores de plantão disponham de autoridade ilimitada. Foi isso que Lênin pretendeu quando definiu a “ditadura do proletariado” como o “poder que não é limitado por nada, por nenhuma lei, que não é coibido por nenhuma regra, que depende diretamente da coerção”.
Ao defender um regime que depende da coerção, Lênin supôs que ele seria temporário; que essa missão, depois de cumprida, o Estado coercitivo se atrofiaria. Ele ignorava, no entanto, que a abstração denominada “Estado” é composta de indivíduos que, independentemente de sua missão histórica, cuidam também de seus interesses particulares.
Apesar de, na “teoriacientífica” do marxismo-leninismo, o Estado atuar apenas sobre os proprietários dos meios de produção, sem ganhar nenhuma participação, os administradores desse Estado – os membros do Partido Comunista - logo se desenvolveram em uma nova classe: a nomenklatura, uma casta hereditária privilegiada sem competência e motivação para operar as transformações exigidas pela “doutrina”. E o partido, que tomou o Poder antecipando uma nova era, desde o primeiro momento tornou-se um fim em si mesmo.
Observe-se que ao Estado não restou alternativa senão atender a essa nova classe porque passou a depender dela para permanecer no Poder. Essa nova classe cresceu e desenvolveu-se rapidamente pela simples razão de que, na medida em que todos os aspectos da vida nacional passaram a ser controlados pelo Estado-patrão, passou a requerer uma enorme burocracia para administrá-lo. Essa burocracia, afinal, transformou-se no bode expiatório de todos os regimes comunistas, ainda que nenhum pudesse se virar sem ela.
Portanto, o partido, para obter a igualdade de posses, teve que institucionalizar a desigualdade de direitos.
Na medida em que a propriedade é um conceito legal, cumprido pelos tribunais, isso significa que o reconhecimento de que o Estado é limitado pela Lei. Todavia, a meta do comunismo – a abolição da propriedade – levou sempre, em todos os lugares, à abolição da liberdade e da legalidade representada por esses mesmos tribunais.
Longe de libertar o homem da escravidão às coisas, como Marx e Engels erradamente imaginaram, a abolição da propriedade privada e a nacionalização dos meios de produção converteu-o em escravo dos seus governantes e, devido à escassez endêmica, tornou-o mais materialista do que nunca.
Todas essas deficiências inerentes à doutrina foram reconhecidas por muitos comunistas, levando-os a vários “revisionismos”. Para os crentes, entretanto, as falhas não comprovavam que a doutrina estava errada, mas sim que não havia sido aplicada com crueldade suficiente.
Duas razões podem ser alinhadas para explicar porque o comunismo fracassou e é uma doutrina falida: a primeira é que para a igualdade vigorar – seu principal objetivo – tornou-se necessário criar um aparelho coercitivo que demandou privilégios e, conseqüentemente, negou a igualdade; a segunda é que fidelidades territoriais e étnicas, quando em conflito com a fidelidade a uma classe, em todos os lugares e em qualquer época, venceram de forma esmagadora, dissolvendo o comunismo em nacionalismo.
Ainda nos anos 20, quando a tão desejada revolução mundial, esperada por Lênin, não ocorreu, o regime soviético se engessou e com o tempo viu-se ameaçado por crescentes dificuldades internas, tais como a apatia e a passividade da população que levaram a um crescente declínio da economia e do poder militar. Essas dificuldades só poderiam ser resolvidas com um relaxamento da autoridade. Mas o relaxamento da autoridade subverteu todo o sistema, que dependia de uma organização de comando estritamente centralizado.
Assim, quando Gorbachev começou a mexer no sistema, a partir de meados dos anos 80, desenvolveram-se fissuras que levaram ao seu rompimento. Isso significou que o comunismo não é passível de reformas. Quer dizer, é incapaz de se ajustar a circunstâncias mutáveis. A sua rigidez levou à sua queda.
Gorbachev, durante cinco anos, desenvolveu um esforço fútil para deter o inevitável. Quando o governo soviético e o próprio país se desintegraram, em 1991, é significativo que os supostos guardiões da pureza ideológica – a nomenklatura – cederam sem resistência e se precipitaram nos recursos naturais e fábricas do país que não mais existiam, o que evidenciou de forma marcante o papel secundário desempenhado pela ideologia na política comunista.
Isso é evidenciado na biografia de Nikita Kruschev, sucessor de Stalin e grande-timoneiro da União Soviética de 1953 a 1964, escrita por seu filho, Sergei. Escreveu ele:
“Desde o meu tempo de estudante tentei e não consegui compreender exatamente o que era o comunismo (...) Tinha tentado fazer com que meu pai lançasse uma luz sobre a natureza do comunismo, mas não obtive nenhuma resposta inteligível. Percebi que tampouco a sua compreensão era clara a respeito”.
Muito significativa é também a opinião de Yuri Ribeiro Prestes, filho de Luiz Carlos Prestes:“Sou a favor da idéia socialista. Mas uma vez disse a meu pai: ‘se isso é socialismo, eu sou contra o socialismo” (Yuri Ribeiro Prestes, historiador, filho de Luiz Carlos Prestes. Viveu na Rússia de 1970 a 1994; jornal “Folha de São Paulo” de 2 de novembro de 1997).
Ora, convenhamos, se o líder do bloco comunista e arauto incansável de seu inevitável triunfo futuro não conseguiu explicar a seu próprio filho o que era o comunismo, o que se poderia esperar da compreensão teórica das pessoas comuns, como eu, autor deste artigo?
Dados bibliográficos:
- “Comunismo” de Richard Pipes, editora Objetiva, 2001
- “O Livro Negro do Comunismo”, editora Bertrand, 1999.
05 de janeiro de 2015
Carlos I. S. Azambuja é Historiador
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