sábado, 8 de outubro de 2011

Ler e escrever


Nietzsche 1844/1900
“De todo o escrito só me agrada aquilo que uma pessoa escreveu com o seu sangue. Escreve com sangue e aprenderás que o sangue é espírito.
.
Não é fácil compreender sangue alheio: eu detesto todos os ociosos que lêem.
.
O que conhece o leitor já nada faz pelo leitor. Um século de leitores, e o próprio espírito terá mau cheiro. Ter toda a gente o direito de aprender a ler é coisa que estropia, não só a letra mas o pensamento. Noutro tempo o espírito era Deus; depois fez-se homem; agora fez-se população.
.
O que escreve em máximas e com sangue não quer ser lido, mas decorado. Nas montanhas, o caminho mais curto é o que medeia de cimo a cimo; mas para isso é preciso ter pernas altas. Os aforismos devem ser cumieiras, e aqueles a quem se fala devem ser homens altos e robustos.

.
O ar leve e puro, o próximo perigo e o espírito cheio de uma alegre malícia, tudo isto se harmoniza bem. Eu quero ver duendes em torno de mim porque sou valoroso. O valor que afugenta os fantasmas cria os seus próprios duendes: o valor quer rir.
.

Eu já não sinto em unísono convosco; essa nuvem que eu vejo abaixo de mim, esse negrume e carregamento de que me rio, é precisamente a vossa nuvem tempestuosa. Vós olhais para cima quando aspirais a vos elevar. Eu, como estou alto, olho para baixo. Qual de vós pode estar alto e rir ao mesmo tempo?
.
O que escala elevados montes ri-se de todas as tragédias da cena e da vida. Valorosos, despreocupados, zombeteiros, violentos, eis como nos quer a sabedoria. É mulher e só lutadores podem amar. Vós dizeis-me: “A vida é uma carga pesada”. Mas, para que é esse vosso orgulho pela manhã e essa vossa submissão, à tarde? A vida é uma carga pesada; mas não vos mostreis tão contristados. Todos somos jumentos carregados.
.
Que parecença temos com o cálice de rosa que treme porque o oprime uma gota de orvalho? É verdade: amamos a vida não porque estejamos habituados à vida, mas ao amor.
.

Há sempre o seu quê de loucura no amor; mas também há sempre o seu quê de razão na loucura.
.
E eu, que estou bem com a vida, creio que para saber de felicidade não há como as borboletas e as bolhas de sabão, e o que se lhes assemelhe entre os homens. Ver revolutear essas almas aladas e loucas, encantadoras e buliçosas, é o que arranca a Zaratustra lágrimas e canções.
.
Eu só poderia crer num Deus que soubesse dançar.
.

E quando vi o meu demônio, pareceu-me sério, grave, profundo e solene: era o espírito do pesadelo. Por ele caem todas as coisas. Não é com cólera, mas com riso que se mata. Adiante! matemos o espírito do pesadelo! Eu aprendi a andar; por conseguinte corro. Eu aprendi a voar; por conseguinte não quero que me empurrem para mudar de sítio. Agora sou leve, agora vôo; agora vejo por baixo de mim mesmo, agora salta em mim um Deus”.
.
Nietzsche
Assim falava Zaratustra.

Nenhum comentário:

Postar um comentário

Se preferir utilize o email: gilrikardo@gmail.com