Em tempos remotos sofríamos com a falta, para alguns séculos após sofrermos pelo excesso. Como evitar a congestão causada pelo consumo indiscriminado de informação que nos dias de hoje nos chega através das mais variadas formas e fontes. Essa questão levou-me a recordar de alguém que soube lidar com suas escolhas, entre as quais filtrar o conhecimento e utilizá-lo em benefício próprio. Leia o texto e descubra...
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Tiobias é o apelido do senhor Tobias, um parente distante que está próximo de completar um século de vida. Parece que foi ontem que o conheci. Faz quarenta anos que viajei ao lado dele em uma charrete num percurso de trinta quilômetros.
Era uma visita ao lar do velho solitário. De quem se ouvia muitas histórias, principalmente sobre seu estilo de vida. Na época, em minha cabeça infantil, soava-me triste alguém levar aquele “modus vivendi” distante de tudo e de todos, mal sonhava que talvez aquela forma de existência lhe traria a longevidade que lúcido desfruta nos dias de hoje.
Lembrei-me disso ao acompanhar um documentário sobre a revolução provocada pela quantidade de informação em nossas vidas. Estamos vivendo um período que qualquer um tem acesso a qualquer tema através dos recursos gratuitos na internet. Houve tempos em que nossa vida sofria pela falta, parece até piada que poucos séculos à frente soframos pelo excesso.
Querer mais ou menos informação leva-me ao estilo de vida do Tiobias cujo inicio deu-se lá pela década de quarenta, quando ele resolveu mudar de vida. Saiu de Porto Alegre após alguns anos trabalhando como protético e rumou para interior da serra gaúcha. Lá num recanto onde o progresso dificilmente chegaria, construiu sua morada. Tudo simples e somente o essencial para as necessidades básicas de sobrevivência. Sua meta era morar ali sem depender dos recursos da cidade, até onde sei, conseguiu.
Pois, vez por outra ou duas ou três vezes por ano, se dirigia à cidade em busca de peças de roupa, obras de literatura, mantimentos ou artefatos para suas lidas de agropecuária.
Minha última visita ao seu rancho deu-se há quinze anos, quando o vivente estava com oitenta e cinco anos. Ao me ver disse estar espantado com a semelhança física entre eu e meu avô, primo dele. A cara de um, foucinho do outro - brincou. Perguntei-lhe porque escolhera aquele estilo de vida. Longe de todos e de tudo. Disse-me que nos tempos de estudante já entendera que a vida é o sentido que damos a ela, assim decidiu fazer aquilo que lhe proporcionaria certa tranquilidade aliada a longevidade, pois era um apaixonado pelo ato de viver. Ao decidir-se, concluiu que a cidade lhe traria muitos riscos desnecessários, entre eles ter que se sujeitar às regras e horários impostos pela necessidade de se trabalhar. Observara também o incipiente consumismo movimentando a vida das pessoas, e isso não lhe seduzia, olhava para os modismos como ervas daninhas a infestarem uma lavoura.
Estávamos sentados na varanda e era possível uma visão geral do pequeno mundo cultivado por ele durante cinquenta e cinco anos. Tinha uma pequena horta, um milharal, cercado com galinheiro e muitas penosas circulando, um chiqueiro, um estábulo para os dois cavalos e a vaca leiteira. Além dos quatro cães perdigueiros que também lhe serviam de alarme para eventuais invasores.
Perguntei-lhe se sentia falta de alguma coisa. Disse-me com a serenidade de quem encontrou o entendimento que não. Insisti afirmando que o rádio ou a tevê poderiam lhe trazer um conforto. De maneira alguma - disse-me. Levo a vida da maneira que em meu mundo só aquilo que traz algum sentido é digno da minha atenção. Assim tenho uma rotina voltada para minha sobrevivência e como fonte de conhecimento e informação mantenho uma pequena biblioteca que iniciei em meus tempos de infância. Vez por outra, quando sinto que algo não frui direito, vou à cidade e consulto algum médico, mas até hoje nada relevante - encerrou ele.
A conversa prolongou-se até o cair da tarde, quando então montei em minha motocicleta e prometi que algum dia voltaria. Se passaram quinze anos e lá não retornei. Quem sabe ainda consiga vê-lo mais uma vez. Mas o que me levou a tais lembranças é a grande quantidade de informação e o efeito disso em nossas vidas. É muito conhecimento desnecessário sendo digerido sem critério algum. E qual seria?
Invoco Tiobias, um tipo de vida exemplar, como ele mesmo disse: a vida é o sentido que damos a ela. Ele quis uma vida longa e para que isso fosse possível abandonou tudo aquilo que significasse algum risco para atingir seu intento. Preencheu sua vida com a vida que desejava levar. E como prêmio está completando um século de existência. Sem medo de errar completaria dizendo um século de sapiência e felicidade, com certeza.
*Sábio: Aquele que se distingue pelo grande saber, pela experiência do mundo e por uma vida exemplar.
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MAIS ALGUMAS PALAVRAS SOBRE O TEMA
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Um filósofo grego ao visitar um mercado repleto de novidades se disse admirado pela quantidade de coisas que não precisava em sua vida. Idéia contrária ao que parece nos guiar, pois ao entrarmos em um shopping facilmente lamentamos pela infelicidade de não poder comprar tudo aquilo que desejamos.
A visão de uma vida (rotina) diferente da que levamos sempre nos parece melhor da que escolhemos, de como a tranquilidade, saúde e simplicidade que o outro relata é o que nos falta. Então a "vida no campo" é melhor?
ResponderExcluirVivemos na "cidade" estamos obrigados a seguir certas regras que nos fazem nos adaptar e ao mesmo tempo aprisionar naquela sociedade.
Não preciso do computador para viver, mas preciso do computador para sobreviver(?) nessa sociedade. Apesar de me sentir "esmagado" por essa rotina, o visão de estar no meio do mato sem nada me parece assustadora.O medo. Da mudança, de deixar o que nos é seguro.Defendo o modo de vida que levo como desculpa para não mudar? ou apenas quero dizer que viver no mato também teria sua parcela de "falta" e de seguir regras de lá para uma adaptação. Então o fato de viver no campo e não tem também sua parcela de medo de mudança e encarara cidade. Concordo que temos e queremos mais do que precisamos na cidade, mas é a forma de viver aqui. Como a aceitação de quem vive no campo de que não precisa de luz, de carros, de comprar e consumir é a forma de viver lá.
Sandro
Para melhor entendermos ou refletirmos sobre uma situação, às vezes são melhores exemplos de grandes contrastes. Cidade x Campo. Imagina-se quais necessidades deveremos saciar para então levarmos uma vida serena. Desejei com este texto criticar a condição humana de consumidor, se vivemos na cidade sofreremos a vida inteira os apelos para consumir. Este é o grande problema em minha opinião. Somos tratados comos consumidores desejando ou não. Devemos consumir, mesmo que seja na marra, independe muitas vezes de nosso desejo ou necessidade, de alguma maneira o sistema consegue nos engolir. Para contrastar, existem formas de vida que não se deixam levar pela onda, nas cidades existem pessoas que conseguem uma disciplina fenomenal e não se deixam contaminar. Enfim, o nosso capitalismo está mais para nossa infelicidade.
ResponderExcluirGosto deste temas porque quase ninguém aborda, seja por achar que não adianta, ou porque não percebe mesmo. É uma questão de entendimento,
quanto mais quero entender mais questões surgem, como eu disse em algum texto, o que importa é a viagem e não o porto de chegada. E viajando estamos.
Gostei que tenhas comentado, e digas realmente o que pensas, pouco importando o que irei dizer ou o que os outros irão pensar. Vales pela tua opinião. Abraço e até a próxima.
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Gilrikardo