“Degavar” dizia ele em completo
estado de euforia ao simplesmente “ajuntar” uns picolés na caixa de isopor e
ganhar as ruas num sonoro “olha o dolé”. A mim parecia diversão, ou até
brincadeira de quem não tem o que fazer. Mas como dizem as línguas sábias, quem
vê cara não sente o coração. E não é que o nosso entusiasmado amigo foi
atropelado, resistiu alguns dias e pediu a conta. Foi encontrar o patrão velho,
aquele lá de cima. Aos poucos comecei a entender o porquê daquelas atitudes e
euforias desmedidas. Era o desespero pela sobrevivência. Era ele quem mantinha
a mãe viúva e mais dois irmãos. E agora. Que faremos, imaginava eu! Até o dia
em que vi a mãe dele passar por nós gritando “olha o dolé”... E dizer que a
gente sabe tudo! E dizer que a gente consegue imaginar tudo! E dizer que a
gente diz o que diz sem nada ter dito! “Degavar” e não foi longe. Vida bandida (lobão).