Uma loucura com método
EDITORIAL - REVISTA VEJA
Fazem parte da mesma constelação autoritária as tentativas de censurar a imprensa, de criar listas fechadas de candidatos, de estabelecer o financiamento público de campanha nas eleições e - o que causou a maior perplexidade, na semana passada - a proposta de emenda constitucional que submete o Supremo Tribunal Federal (STF) à vontade dos deputados federais e senadores. Liguem-se os pontos e o que aparece com assustadora clareza é a mesma pauta de supressão das liberdades individuais que vem sendo implantada de forma inclemente na Argentina e na Bolívia, depois de quase inteiramente imposta na Venezuela.
Uma reportagem desta edição mostra que a aprovação da emenda bolivariana pela Comissão de Constituição e Justiça (CCJ) da Câmara dos Deputados, em Brasília, é uma afronta aos brasileiros também por ter contado com votos de mensaleiros condenados à prisão pelo próprio órgão, o STF, que eles agora querem estorvar.
A iniciativa é, em si, nefasta. Sim, a emenda é facilmente derrubável por ser um golpe no sagrado conceito da independência e harmonia entre os poderes da República. A proposta dos radicais, porém, é um veneno para a liberdade, pois evoca, como lembrou o ministro do STF Gilmar Mendes, a Constituição de 1937, "em que o presidente da República podia cassar decisões do Supremo e confirmar a constitucionalidade de leis". Para quem não se recorda, a Constituição de 1937 foi o alicerce jurídico do Estado Novo, a primeira e degradante experiência ditatorial do Brasil republicano, conduzida por Getúlio Vargas em um momento histórico em que a democracia estava sendo desafiada na Europa por regimes fascistas.
Que ninguém se engane, portanto, quando deparar com as propostas de dificultar a criação de partidos, de estabelecer listas fechadas, o financiamento público de campanhas, o controle da imprensa ou do Judiciário. Elas nada têm de inocentes. Fazem parte da mesma concepção distorcida de sociedade que, espantosamente, só sobrevive entre os radicais do PT no Brasil e seus hermanos ideológicos na Argentina, Bolívia e Venezuela. Excluídos países inviáveis como Cuba e Coreia do Norte, no resto do mundo, da China ao Vietnã, da África do Sul à Nigéria e no Leste Europeu, os governos, suas instituições políticas e jurídicas estão empenhados em se abrir, modernizar-se, educar o povo e fortificar a classe média. Só no eixo Caracas-La Paz-Buenos Aires, do qual a presidente Dilma Rousseff tem guardado sábia e diligente distância, é que ainda sobrevive o caudilhismo bolivariano. É patético.