Região tem 67% dos 32,9 milhões de infectados pelo HIV; repre sentante da Unaids no Brasil chama o discurso de Bento XVI de ?genocida?
18 de março de 2009 | 0h 00
IAUNDÉ (CAMARÕES) - O Estadao de S.Paulo
IAUNDÉ (CAMARÕES) - O Estadao de S.Paulo
Em sua primeira viagem à África, onde concentram-se 75% das mortes por aids no mundo, o papa Bento XVI reafirmou ontem a oposição da Igreja ao uso de preservativos na luta contra a doença. Ao falar com jornalistas no avião, a caminho da capital de Camarões, o papa disse que a aids "não pode ser derrotada pela distribuição de preservativos. Pelo contrário, eles só aumentam o problema". Segundo analistas vaticanos, foi a primeira vez que um papa pronunciou em público a palavra "preservativos" - normalmente, fala-se em "contraceptivos".
A Igreja prega que a fidelidade dentro do casamento heterossexual, a castidade e a abstinência são a melhor maneira de combater a aids. O papa pediu por um "comportamento correto em relação ao corpo" e disse que "a única solução" consiste em dois passos: o primeiro seria "a humanização da sexualidade", uma renovação "espiritual que traz consigo uma nova maneira de se comportar"; o segundo seria "uma verdadeira amizade, especialmente por aqueles que sofrem, um desejo de fazer sacrifícios pessoais".
As declarações do pontífice chocam-se com estudos científicos que comprovam a ineficácia da estratégia de promoção da abstinência como forma de prevenir a aids. O representante no Brasil do órgão das Nações Unidas para o combate à doença (Unaids), Pedro Chequer, classificou o discurso de Bento XVI como "genocida".
"É lamentável que após toda a luta da sociedade para o controle da aids tenhamos uma pregação genocida. Há segmentos que só reconhecem os erros após cinco séculos, só que lidamos com um bem maior que é a vida e não podemos esperar cinco séculos", afirmou Chequer ontem.
Segundo dados da Unaids, 67% das pessoas que vivem com o HIV no mundo estão na África Subsaariana, um total de 22 milhões de vítimas. A Organização das Nações Unidas defende o uso do preservativo como principal forma de combater a contaminação pelo HIV nas relações sexuais.
Segundo um painel de especialistas reunido pela SADC, comunidade que reúne os países africanos com maior concentração da doença, estratégias para promover a abstinência até podem adiar o início da vida sexual dos jovens, mas não há impacto significativo no risco de a população ser infectada pelo HIV ao longo da vida. "A abstinência não é prática nem nos conventos do Vaticano", afirmou Chequer.
Bento XVI também afirmou ontem que o povo africano sofre "de modo desproporcional" por causa das mudanças climáticas, da falta de comida e da crise econômica. "Mais e mais africanos são vítimas da fome, da pobreza e da doença. Eles gritam por reconciliação, justiça e paz, e é isso que a Igreja oferece." Também afirmou que a crise econômica é produto de um "déficit de ética nas estruturas econômicas".
O pontífice foi recebido em Iaundé por dezenas de milhares de pessoas que dançaram e cantaram ao longo dos 25 quilômetros que separam o aeroporto da cidade. Ele também vai visitar Angola.
REUTERS e EFE, COLABOROU FABIANE LEITE