Ruy Castro
O Anjo pornográfico - A vida de Nelson Rodrigues
INTRODUÇÃO > Esta é uma biografia de Nelson Rodrigues, não um estudo crítico. Aqui se encontrará onde, quando, como e por que Nelson escreveu todas as suas peças, romances, contos e crônicas, mas não espere "análises" ou "interpretações". O que se conta em "O anjo pornográfico" é a espantosa vida de um homem - um escritor a quem uma espécie de imã demoníaco (o acaso, o destino, o que for) estava sempre arrastando para uma realidade ainda mais dramática do que a que ele punha sobre o papel.
Se a narrativa de "O anjo pornográfico" lembra às vezes um romance é porque não há outra maneira de contar a história de Nelson Rodrigues e de sua família. Ela é mais trágica e rocambolesca do que qualquer uma de suas histórias, e tão fascinante quanto. É quase inacreditável que o que se vai ler aconteceu de verdade no espaço de uma única vida. (Daí por que quando Nelson morreu em 1980, aos 68 anos, muitos achassem que ele era séculos mais velho.)
Esta não é também uma biografia crítica, no sentido de que, quando Nelson escrever, por exemplo, "Vestido de noiva", irei interromper a história para teorizar sobre o significado profundo dessa peça ou qualquer outra. (Para isso, os interessados devem dirigir-se aos definitivos prefácios de Sábato Magaldi, que iluminam os quatro volumes do "Teatro completo" de Nelson Rodrigues, vide bibliografia.) No caso de "Vestido de noiva" (e das outras peças), o que eu queria saber era o que aconteceu antes, durante e depois da montagem, na platéia, no palco, nos bastidores e como isso se refletiu na vida de Nelson.
Mesmo porque o teatro nem sempre foi o palco principal de Nelson Rodrigues. Talvez nunca o tenha sido. Esse, se houve um, foi o jornal. Pode ter sido também a rua (ou a própria cidade do Rio de Janeiro), embora poucos brasileiros, exceto datilógrafos profissionais, tenham passado tantas horas atrás de uma máquina de escrever. (Nelson "escreveu" até durante os delírios provocados por insuficiência respiratória.)
Apesar de sua fenomenal produção, o único nicho em que ele passou a ser unanimemente aceito (e, mesmo assim, de uns tempos para cá) é o do teatro. Poucos sabem que o restante dessa produção, esgotado há décadas, é tão genial quanto seu teatro. (E os que sabem não se conformam com que o mundo não saiba.) A reabilitação está próxima, com sua publicação pela Companhia das Letras.
Durante muitos anos, Nelson Rodrigues carregou a fama de "tarado". Em seus anos finais, a de "reacionário". Ninguém foi mais perseguido: a direita, a esquerda, a censura, os críticos, os católicos (de todas as tinturas) e, muitas vezes, as platéias - todos, em alguma época, viram nele o anjo do mal, um câncer a ser extirpado da sociedade brasileira. E, olhe, quase conseguiram.
Mas, ao mesmo tempo em que queriam "caçá-lo a pauladas, como a uma ratazana prenhe", havia também muitos para quem parecia impossível admirar Nelson Rodrigues o suficiente. Mesmo os seus piores inimigos nunca lhe negaram o talento - e não foram poucos os que o chamaram de gênio. Há quem arrisque até explicações espíritas para certos lampejos de Nelson. Para alguns, era um santo; para outros, um canalha; para todos, sempre, uma surpresa ambulante. Mas, como se verá, ninguém o conheceu direito.
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