segunda-feira, 10 de dezembro de 2012

Inversão de valores

.........Desde meus dias de aprendiz de motorista preocupei-me com a segurança. Tanto que treinei em estradas rurais, naquelas sem movimento algum, só vacas ou cavalos vez por outra. Foram meses até sentir-me seguro e “domar” a camionete por completo. Era subida, descida, frear, arrancar, parar no meio do morro, em seguida subir sem deixar “morrer o motor”. Nas curvas o cuidado em não derrapar e manter a visibilidade com a poeira batendo no rosto. Até o dia em que iniciei-me nas ruas de paralelepípedos daquela pequena cidade do interior, tempo em que ter veículo era para poucos, muito poucos mesmo. Tive a sorte de pilotar carros de meus amigos, patrão ou de algum parente... era um ritual e tanto. A minha curiosidade auxiliava ainda mais, pois perguntava sobre detalhes mecânicos e elétricos dos motores. Fato que ajudou-me a entender como o carro queimava o combustível; a serventia das velas, os tempos dos motores, por que quatro, cinco ou seis marchas, usar a embreagem, para quê o balancin... e por aí a fora. Era o meu mundo de aprendizado, inclusive com estudo das leis e sinalização de trânsito. Para mim algo tão importante e perigoso (dirigir), merecia muita responsabilidade e atenção. Pois bem, somente após dez anos consegui comprar o primeiro automóvel. Já tinha carteira nacional de habilitação e em alguns dias já manobrava pelos becos do bairro. Foram mais seis meses até aventurar-me em rodovias com o trânsito de caminhões e outros veículos pesados, para daí então "agarrar" o mundo. Isso foi há quase trinta anos...
..........HOJE, apesar da "bagagem", acreditem... o trânsito me apavora. Tenho medo, fico tenso, olhos arregalados, preocupado com o que pode acontecer. Vejo pessoas com a atenção voltada à conversa no celular e numa rodovia em que a velocidade é sessenta por hora, devo ficar atrás de quem roda a vinte porque está dialogando... Numa conversão à esquerda, enquanto aguardo a vez para dobrar, sou obrigado a ouvir xingamentos e buzinas de quem não aprendeu o mínimo sobre as leis de trânsito. Ou quando em via urbana e velocidade próxima dos sessenta quilômetros horários, sou surpreendido pelos gritos de “sai da frente velho caduco”, ditos pela mulher a mostrar-me o dedo médio em riste...
..........O sensato, imagino, seria circular sem muito estresse, pois quem está no trânsito deveria ter a responsabilidade, além de semelhante aprendizado... Mas não é isso que ocorre, e sim a total falta de respeito... a emersão da pura ignorância de muitos, pois se tacham merecedores de tratamento especial só porque estão sentados dentro dum automóvel... “grandes merda” diria um amigo, de fato, se um dia automóvel dava status ou transformava alguém em bem-sucedido, atualmente tornou-se adorno de pobre endividado ou desejoso de “status”... enquanto na Europa e em outros países do primeiro mundo, o automóvel vem sendo descartado, aqui ainda continua sonho de consumo da pobreza e isso é fato... qualquer pobre já se pergunta quando vai comprar o seu... na minha época os pobres eram mais modestos... eu por exemplo, nunca imaginava naqueles tempos que algum dia teria um... no entanto hoje... sem desmerecer ninguém, basta ganhar salário mínimo já é possível "circular motorizado"... Buscar instrução, saúde, formação profissional é luxo que não vale à pena investir... o negócio é acelerar e deixar que os outros se preocupem com o que é certo ou errado no trânsito. Enquanto isso, alimento o sonho de voltar a ser pedestre em tempo integral... época em que era feliz e não sabia.