terça-feira, 31 de janeiro de 2012

E acreditar que tem gente que ainda acredita

Aventuras na História

No gulag stalinista

01/11/2005 00h00

Prisioneiros políticos viraram parte da força escrava que movimentou a economia da ex-União das Repúblicas Socialistas Soviéticas, principalmente durante a década de 50. O sistema de campos de trabalhos forçados ficou conhecido como gulag (glavnoe upravlenie lagerei, ou administração central dos campos). Sua origem, na verdade, é bem anterior à URSS do comunista Josef Stálin – tem precedentes na Rússia dos czares, desde o século 17. Mas foi com o stalinismo que o conceito se expandiu.
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Os presos (ou zeks) geralmente iam parar no gulag acusados de espionagem ou traição. Lá, eram “recrutados” para minas, pedreiras, indústrias têxteis e químicas, uma série de ocupações. Embora não visasse a execução sumária, no gulag morria-se de fome, frio, tifo, exaustão (mais por negligência) – mas também houve extermínio. Dos 28,7 milhões de pessoas que passaram pelos campos de 1929 a 1953, há registro de 2 749 163 mortes. O número, porém, pode ser maior, já que documentos oficiais desapareceram.
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Dos 476 complexos comandados pela polícia russa, os de Kolyma, na Sibéria, figuram entre os mais brutais – estão para o gulag como Auschwitz para o holocausto.
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Saiba mais
Livro
Gulag – Uma História dos Campos de Prisioneiros
Soviéticos, Anne Applebaum, Ediouro, 2003
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Um dia em Kolyma
As jornadas de trabalho eram longas na fria regiãodo nordeste da Sibéria

1. Viajando como gado
Os presos chegavam famintos e fracos após até três meses de viagem amontoados em vagões de gado e, depois, em porões de navios cargueiros. Ficavam dias sem água ou comida. À noite, mulheres eram atacadas pelo “bonde de Kolyma”, estupradores que subornavam guardas para entrar nos porões femininos, contam sobreviventes no livro Gulag. Muitos zeks morriam no trajeto.

2. Fila para o trabalho
Em filas de cinco, os zeks eram contados no pátio e tinham os pêlos e cabelos raspados para se livrarem de piolhos e percevejos. Ganhavam camisa e calça de verão, casaco, calça de inverno, botas de feltro e roupa de baixo – mas nunca havia itens suficientes. A seleção para o trabalho ocorria com eles nus no pátio, após serem classificados pela saúde, origem social e condenação.

3. Amanhecer às 3h30
O dia começava antes das 3h30. Um toque de sirene tirava os presos dos beliches coletivos – antes do trabalho, eles tomavam kasha (mingau de trigo). A quantidade de comida do dia dependia do cumprimento da meta de trabalho. Quem atingia a difícil cota ganhava 550 g de pão, 75 g de trigo ou macarrão, 15 g de carne e 500 g de batata. Os demais conseguiam metade da ração.

4. Jornada de 12 horas
Os presos trabalhavam no mínimo 12 horas por dia, com intervalos de 5 minutos às 10h e às 16h e uma hora de almoço ao meio-dia. Presos comuns tinham uma folga por semana e os de regime severo, duas ao mês. Eles só podiam largar o batente quando a temperatura caía a 50 graus negativos. Com dedos congelados, eram comuns os acidentes: mais de 60 mil por dia no gulag.

5. Banho a cada dez dias
Toda noite os presos faziam fila no pátio para a contagem. No tempo livre, podiam sair dos alojamentos lotados (1,5 m2 por pessoa) até a sirene tocar, indicando a hora de dormirem as cinco horas diárias. Muitos iam para as filas do banho, obrigatórios a cada dez dias. Cada zek tinha uma caneca de água quente e outra de água fria para lavar-se, além de 200 g de sabão por mês.

6. Canibalismo lá fora
Fugir era quase impossível. Segundo a jornalista Anne Applebaum no livro Gulag, guardas tinham ordens de atirar para matar quem atravessasse o arame farpado e entrasse na “zona da morte”. Há relatos de poucos presos que conseguiram fugir e levaram um outro zek desavisado para servir de alimento – sim, praticaram canibalismo porque não havia comida fora dos campos.