domingo, 28 de dezembro de 2014

O silêncio dos vendidos

Por Janer Cristaldo (in memoriam)

Triste sina a da direita no Brasil. Em países mais civilizados, ser de direita é apenas não concordar com as propostas da esquerda, direito legítimo de todo cidadão. No Brasil, direita significa portar toda a infâmia do mundo. Que o diga Clóvis Rossi. Em recente crônica, afirmou: "É um caso de estudo para a ciência política universal. Já escrevi neste espaço uma e outra vez que o PT fez a mais radical e rápida guinada para a direita de que se tem notícia na história partidária do planeta".

Isto é: se o PT se revela corrupto, ele não é mais esquerda. É direita, porque só a direita é corrupta. Mesmo que o PT seja hoje o mesmo desde que nasceu, mesmo que os grandes implicados na corrupção - Genoíno, Mercadante, Zé Dirceu, Lula - sejam seus pais fundadores. Segundo Rossi, o PT guinou para a direita. E por que guinou para a direita? Porque suas falcatruas foram trazidas à tona. Permanecessem submersas, o partido continuaria sendo de esquerda.

É o que os franceses chamam de glissement idéologique. O conceito de esquerda sempre muda, à medida em que se corrompe. A direita é a boceta de Pandora, o repositório de todos os males do mundo, inclusive os das esquerdas. Pois quando as esquerdas cometem crimes - ou "erros", como preferem seus líderes - é que não eram de esquerda, mas de direita.

O PT, partido que nasce do ventre de uma mentira secular, mesmo ao tentar reerguer-se continua mentindo. Em recente sabatina organizada pela Folha de São Paulo, Tarso Genro, o novo presidente do partido, foi buscar situações análogas em outros partidos de centro-esquerda no mundo, como os democratas cristãos italianos e o partido socialista espanhol. "Isso tem algumas explicações que são de natureza histórica e que diz respeito a questões filosóficas, teóricas, profundas e questões relacionadas com responsabilidades individuais", disse o mago das palavras. Em verdade, não disse nada, sua explicação e explicação nenhuma são a mesma coisa. Mas conseguiu um milagre de retórica: mesmo sem dizer nada, mentiu. As situações análogas às do PT não devem ser buscadas nas sociais-democracias européias, pois nelas não estão nem nunca estiveram as origens de seu partido.
As origens do PT estão nas ideologias que empestaram o século passado, no bolchevismo, maoísmo, trotskismo, polpotismo, no comunismo albanês. Os quadros do partido eram egressos destas doutrinas e sempre condenaram as sociais-democracias, às quais atribuíam a pecha de revisionistas. O que está sendo derrubado, hoje, no Brasil, é o muro de Berlim mental das esquerdas tupiniquins, dezesseis anos após a queda do muro de concreto. A estrela vermelha, hoje cadente no Brasil, que Lula houve por bem trocar por uma medalha de Nossa Senhora Aparecida, nunca foi símbolo de social-democracia alguma, mas insígnia do Exército Soviético. Nos anos 90, foi arrancada de todos os prédios do poder na ex-URSS. Mas permaneceu pregada no peito das esquerdas latino-americanas.

O PT - ou o que dele resta - quer renovar-se. Mas só da boca pra fora. Jamais renunciará ao culto de seus deuses tutelares, Fidel Castro, Che Guevara, Prestes, Lamarca ou Marighella. Tarso Genro considera o assassino Prestes como o mais excelso herói que o Brasil já teve e Lula, sexta-feira passada, ainda citava Che Guevara: "Os poderosos podem matar uma, duas ou três rosas, mas não podem deter a chegada da primavera". O PT quer renovar-se, mas ainda sente saudades das primaveras sangrentas prometidas pelo guerrilheiro argentino.

Em meio a isso, os intelectuais responsáveis pela ascensão do PT ao poder se reúnem em seminário para carpir o passado. O seminário, eufemisticamente, intitula-se O Silêncio dos Intelectuais. Melhor definido seria se se intitulasse o Silêncio dos Vendidos. Pois os intelectuais brasileiros, desde o início do século passado, venderam suas consciências ao socialismo soviético, a tal ponto que a palavra intelectual vinha sempre carimbada com um complemento: "de esquerda". Oswald de Andrade, hoje leitura obrigatória nos vestibulares, começa sua carreira nos anos 20, louvando o comunismo e o fascismo. No que aliás era muito coerente, comunismo e fascismo são as duas faces de uma mesma moeda. Seguiram-lhe os passos Jorge Amado, Graciliano Ramos, Dyonélio Machado, Raquel de Queiroz, Carlos Drummond de Andrade e uma miríade de escritores menores, todos militantes marxistas ou no mínimo compagnons de route, a tal ponto que não existe grande diferença entre a história da literatura brasileira no século passado e a história das idéias comunistas no Brasil. Até mesmo um escritor tido como liberal, como Erico Verissimo, não resistiu ao canto das sereias. Nos anos 60, recomenda a Sérgio Faraco não publicar suas memórias de Moscou, que denunciavam seu internamento forçado numa clínica psiquiátrica.

Nem Machado de Assis foi inocente. Marx morreu em 1883, o último volume de O Capital foi publicado em 1894. Machado, que tinha acesso a línguas estrangeiras e a publicações do Exterior, jamais disse um pio sobre a doutrina que começava a fazer carreira. Ora, o gaúcho Qorpo Santo, tido como louco e morto justamente em 1883 - 15 anos antes de Machado e 24 anos antes da Revolução de 17 - já denunciava o comunismo em sua obra. Que permaneceu por um século inédita, é verdade. Mas a denúncia já estava lá, em sua Ensiqlopédia ou seis mezes de huma enfermidade, como alerta aos pósteros. Machado não viu nada. Melhor para sua fortuna, ou não seria hoje leitura obrigatória nos vestibulares. Qorpo Santo só poderia ser louco, ao denunciar antecipadamente a peste que dominou o século XX.

Quase cem anos se passaram desde então, e a intelligentsia tupiniquim - ou talvez melhor disséssemos burritsia - não aprendeu nada com o século. Marilena Chauí, a filósofa mater do PT, como a qualifica o Estadão, considera que o silêncio da intelectualidade no mundo não se trata de uma recusa, mas de uma impossibilidade de interpretar a realidade presente. E o que resta, neste caso, é o silêncio. "Manifestar-se sobre tudo, mudar de atitude conforme mudem os ventos, abandonar a obra já feita, desdizendo-a e desdizendo-se, é irresponsabilidade, não é liberdade. Muitas vezes o verdadeiro engajamento exige que fiquemos em silêncio, que não cedamos às exigências cegas da sociedade". O chofer de táxi, a faxineira, o barbeiro, o padeiro da esquina já têm elementos suficientes para interpretar a realidade presente. A douta PhDeusa uspiana, especialista em Spinoza, que muito escreveu sobre ética e política, ainda não sabe o que pensar. Se tiver de fazer coro às denúncias de corrupção do PT, terá de jogar no lixo boa parte de sua biografia. Árvore velha não se dobra. Pode até quebrar, mas não cede. A crise hoje vivida pelo governo está demonstrando a senilidade mental de seus defensores.

Luís Fernando Verissimo matou a Velhinha de Taubaté. Seria difícil manter vivo um personagem que sempre acredita no governo. Mas... matá-la é suficiente? Verissimo não vai pedir desculpas a seus leitores pelas décadas em que os induziu a votar no mais corruptor partido do Ocidente? Não vai penintenciar-se por ter sido um dos mais influentes escritores a apoiar Lula e seus asseclas? Quando ruiu o regime comunista na Polônia, velhos militantes crucificaram-se simbolicamente por uma hora, para manifestar em público seu arrependimento. Verissimo não poderia dar-nos o prazer de pelo menos cinco minutinhos de contrição, não digo numa cruz, mas numa tribuna qualquer?

Chico Buarque, pobre alminha ferida, declarou-se "triste' com a situação. Quando o país todo está revoltado, o poeta das esquerdas, com seus enternecedores olhos verdes, se declara... triste. E nisso ficamos. Diz ainda esperar que crise não provoque "apenas a alegria raivosa de quem não votou em Lula". Velho tique das esquerdas, muito do agrado de Genoíno e Mercadante: quando se faz qualquer crítica ao PT, a crítica não é crítica. É ódio. Engana-se o vate cubanófilo. A alegria de quem não votou em Lula é a mesma e saudável alegria dos franceses quando se libertaram do jugo alemão, dos alemães quando caiu o muro, dos russos quando Ieltsin deu um canhonaço na Duma, dos povos soviéticos quando viram cair as estrelas vermelhas de seus prédios públicos. Estamos alegres, sim senhor. Principalmente porque nem foi preciso lutar para derrubar o PT. Os petistas se encarregaram disto.

Na 11ª Jornada Nacional de Literatura, em Passo Fundo, Frei Betto deplorou que "nem sob os anos da ditadura a direita conseguiu desmoralizar a esquerda como núcleo petista fez em tão pouco tempo (...) esses dirigentes desmoralizaram o partido e respingaram lama por toda a esquerda brasileira". Ocorre que as esquerdas brasileiras têm suas raízes no lamaçal ideológico do século passado.

Nada demais, meu caro Betto: as esquerdas estão voltando às origens.

- Enviado por Janer @
10:09 PM
terça-feira, agosto 30, 2005

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