quarta-feira, 18 de abril de 2012

A vida como ela é

O PEDIATRA
Saiu do telefone e anunciou para todo o escritório:
-- Topou! Topou!
Foi envolvido, cercado por três ou quatro companheiros.
O Meireles cutuca:
-- Batata?
Menezes abre o colarinho: 
-- Batatíssima!. 
Outro insiste:
-- Vale? Justifica?
Fez um escândalo:
-- Se vale? Se justifica? Ó rapaz! É a melhor mulher do Rio de Janeiro! Casada e te digo mais: séria pra chuchu!
Alguém insinuou: 
-- Séria e trai o marido? 
Então, o Menezes improvisou um comício em defesa da bem-amada:
-- Rapaz! Gosta de mim, entende? De mais a mais, escuta: o marido é uma fera! O marido é uma besta!
Ao lado, o Meireles, impressionado, rosna:
-- Você dá sorte com mulher! Como você nunca vi!  
E repetia, ralado de inveja: 
-- Você tem uma estrela miserável!

O AMOR IMORTAL
Há três ou quatro semanas que o Menezes falava num novo amor imortal. Contava, para os companheiros embasbacados: 
-- Mulher de um pediatra, mas olha: - um colosso! 
Queriam saber: 
-- Topa ou não topa? 
Esfregava as mãos, radiante:
-- Estou dando em cima, salivando. Está indo.
Todas as manhãs, quando o Menezes pisava no escritório, os companheiros o recebiam com a pergunta: 
-- E a cara? 
Tirando o paletó, feliz da vida, respondia:
-- Está quase. Ontem, falamos no telefone quatro horas!
Os colegas pasmavam para esse desperdício: 
-- Isso não é mais cantada, é ... E o vento levou. 
Meireles sustentava o princípio que nem a Ava Gardner, nem a Cleópatra justificam quatro horas de telefone. 
Menezes protestava:
-- Essa vale! Perfeitamente, vale! E, além disso, nunca fez isso! É de uma fidelidade mórbida!  Doentia! Compreendeu?
E ele, que tinha filhos naturais em vários bairros do Rio de Janeiro, abandonara todos os outros casos e dava plena e total exclusividade à esposa do pediatra. Abria o coração no escritório:
-- Sempre tive a tara da mulher séria! Só acho graça em mulher séria!
Finalmente, após quarenta e cinco dias de telefonemas desvairados, eis que a moça capitula. Toda a firma exulta. E o Menezes, passando o lenço no suor da testa, admitia: 
-- Custou, puxa vida! Nunca uma mulher me resistiu tanto! 
E, súbito, o Menezes bate na testa:
-- É mesmo! Está faltando um detalhe! O apartamento!
Agarra o Meireles pelo braço: 
-- Tu emprestas o teu? 
O outro tem um repelão pânico:
-- Você é besta, rapaz! Minha mãe mora lá! Sossega o periquito!
Mas o Menezes era teimoso. Argumenta:
-- Escuta, escuta! Deixa eu falar. A moça é séria. Séria pra burro. Nunca vi tanta virtude na minha vida. E eu não posso levar para uma baiúca. Tem que ser apartamento residencial e familiar. É um favor de mãe pra filho caçula.
O outro reagia: 
-- E minha mãe? Mora lá, rapaz! 
Durante umas duas horas, pediu por tudo:
-- Só essa vez. Faz o seguinte: - manda a tua mãe dar uma volta. Eu passo lá duas horas no máximo!
Tanto insistiu que, finalmente, o amigo bufa:
-- Vá lá! Mas escuta, pela primeira e última vez!
Aperta a mão do companheiro:
-- És uma mãe!

DECISÃO
Pouco depois, Menezes ligava para o ser amado:
-- Arranjei um apartamento genial.
Do outro lado, aflita, ela queria saber tudinho:
-- Mas é como, hein? 
Febril de desejo, deu todas as explicações: 
-- Um edifício residencial, na rua Voluntários. Inclusive, mora lá a mãe de um amigo. 
Do apartamento, ouve-se a algazarra das crianças. 
Ela, que se chamava Ieda, suspira:
-- Tenho medo! Tenho medo!
Ficou tudo combinado para o dia seguinte, às quatro da tarde. No escritório, perguntaram:
-- E o pediatra?
Menezes chegou a tomar um susto. De tanto desejar a mulher, esquecera completamente o marido. E havia qualquer coisa de pungente, de tocante, na especialidade do traído, do enganado. Fosse médico de nariz e garganta, ou simplesmente de clínica geral, ou tisiólogo, vá lá. Mas pediatra! 
O próprio Menezes pensava:
-- Enquanto o desgraçado trata de criancinhas, é passado pra trás! 
E, por um momento, ele teve remorso de fazer aquele papel com um pediatra. Na manhã seguinte, com a conivência de todo o escritório, não foi ao trabalho. Os colegas fizeram apenas uma exigência: - que ele contasse tudo, todas as reações da moça. Ele queria se concentrar para a tarde de amor. Tomou, como diria mais tarde, textualmente, um banho de Cleópatra. A mãe, que era uma santa, emprestou-lhe o perfume. Cerca do meio-dia, já pronto e de branco, cheiroso como um bebê, liga para o Meireles:
-- Como é? Combinaste tudo com a velha?
-- Combinei. Mamãe vai passar a tarde em Realengo.
Menezes trata de almoçar. Preciso me alimentar bem, pensava. Comeu e reforçou o almoço com uma gemada. Antes de sair de casa, ligou para Ieda:
-- Meu amor, escuta. Vou pra lá.
E ela:
-- Já?
Explica:
-- Tenho que chegar primeiro. E olha: vou deixar a porta apenas encostada. Você chega e empurra. Não precisa bater. Basta empurrar.
Geme:
-- "Estou nervosíssima!".
E ele, com o coração aos pinotes:
-- Um beijo bem molhado nesta boquinha.
-- Pra ti também.

ESPANTO
Às três e meia, ele estava no apartamento, fumando um cigarro atrás do outro. Às quatro, estava junto à porta, esperando. Ieda só apareceu às quatro e meia. Ela põe a bolsa em cima da mesa e vai explicando:
-- Demorei porque meu marido se atrasou.
Menezes não entende: 
-- "Teu marido?", e ela:
-- Ele veio me trazer e se atrasou. Meu filho, vamos que eu não posso ficar mais de meia hora. Meu marido está lá embaixo, esperando.
Assombrado, puxa a pequena: 
--Escuta aqui.Que negócio é esse? Está lá embaixo! Diz pra mim, teu marido sabe? 
Ela começou:
-- Desabotoa aqui nas costas. Meu marido sabe, sim. Desabotoa. Sabe, claro.
Desatinado, apertava a cabeça entre as mãos: 
-- Não é possível! Não pode ser! Ou é piada tua? 
Já impaciente, Ieda teve de levá-lo até a janela. Ele olha e vê, embaixo, obeso e careca, o pediatra. Desesperado, Menezes gagueja:
-- Quer dizer que... 
E, continua:
-- Olha aqui. Acho melhor a gente desistir. Melhor, entende? Não convém. Assim não quero.
Então, aquela moça bonita, de seio farto, estende a mão:
-- Dois mil cruzeiros. É quanto cobra o meu marido. Meu marido é quem trata dos preços. Dois mil cruzeiros.
Menezes desatou a chorar.

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