quinta-feira, 21 de fevereiro de 2013

Hoje vou contar

Em inúmeras ocasiões fui solicitado a relatar quais as técnicas que utilizo para escrever. Se existe algum segredo ou macete. Se escolho hora ou lugar. Como encontro meus temas. Geralmente respondo que não existe nada pré-determinado ou planejado, o que existe é minha disposição em manter o radar ligado (olhos e ouvidos) no aguardo de que algo soe forte, bata mais fundo, desperte minha imaginação e aí entro em ação. Ruminando. Remoendo. Remodelando. Reajustando. Reproduzindo. As sensações advindas de minha descoberta. Não importa o lugar ou a fonte, hoje por exemplo, num programa de rádio com a participação do ouvinte, escutei um pai reclamando da merenda fornecida pela escola à sua filha. Segundo ele, era mentira que a escola estava ofertando frutas, sanduíche e um bom lanche. Na verdade fornecia duas bolachinhas e água. Dali cinco minutos uma mãe ligou e também dizia impropérios porque há três dias que seus filhos não iam para escola. Ela deixava transparecer que a preocupação não era com o aprendizado e o ensino à gurizada, mas sim uma forma de se livrar e conseguir um lanche, pois reclamou que em casa eles ficavam o dia inteiro querendo comer e que eles gostavam do lanche da escola. Comentei este fato com minha mulher e lembrei dos meus dias de primário... era um grupo escolar, no início do ano as professoras pegavam a lista dos alunos que iriam dar aula e visitava-os em casa junto à família, um por um. Registravam as condições de vida e também um breve relato da formação, finalizando com orientações ou observações. Por exemplo, tínhamos na sala um garoto que se urinava à toa, era só chamar o rapaz e bingo, lá ia ele (puxa! lembrei do Álvaro), se encolhendo todo, e logo molhava as calças. Se a professora não nos tivesse advertido que aquilo era um problema grave que ele tinha na bexiga... fatalmente ele teria virado motivo maior das piadas que rolavam entre nós. Pois bem, a escola mostrava, já naquela época, uma preocupação com o bem estar do aluno. Assim, na minha turma da terceira série ficou definido que apenas oito alunos deveriam GANHAR a merenda escolar, e o restante se quisesse teria que participar oferecendo produtos para a cozinha. Numa turma de trinta alunos aproximadamente, no máximo quinze alunos participavam. A outra metade levava de casa ou comprava na cantina ao lado da escola. Eu gostava de participar. Levei batatas, ovos, aveia, açucar, café, azeite, arroz, e mais algumas que não lembro. Antes de ir para a sala, passava pela cozinha para perguntar qual o cardápio e deixar minha contribuição. Dez minutos antes do recreio, tocava o sinal da merenda escolar, e lá estava eu entre aqueles que precisavam porque em casa pouco ou nada tinham para comer. Ainda consigo lembrar o gosto e o cheiro da sopa de legumes, da sopa de massas, da gemada com pão, do leite com aveia.... Muitos anos depois que descobri a tal obrigatoriedade das escolas em fornecer a merenda. Num primeiro instante estranhei. Depois estranhei mais ainda. Até que fiquei com a pulga atrás da orelha. Pelo simples motivo de no meu tempo (eu era pobre e ainda sou), como relatei acima, numa sala de trinta alunos, a merenda se justificaria para no máximo quinze alunos. Então por  que essa obrigatoriedade? Essa pergunta castigou-me por um bom tempo. Mas à medida em que ia progredindo em minhas leituras e estudos sobre a nossa sociedade como cidadãos, quais os reflexos de meus atos e pensamentos... enfim, quando procurava o entendimento dentro deste mundo, foi que encontrei algo que já sabia que existia, algo que desde criança ouvia os adultos comentarem: a tal da corrupção. 
Aquilo embrulhou-me o estômago, como assim, querer roubar a merenda escolar, em minha santa e ingênua alma, corrupção desse tipo não existia. Como eu era bobo, e às vezes continuo o mesmo! Bobão! Sim, a merenda escolar é fonte de corrupção. Não preciso nem enumerar os casos aqui, basta pedir o ajutório do tio google para se ficar de cabelo em pé. Fico imaginando se alguém em sã consciência vai perder tempo em se preocupar com isso. Creio que não. Eu apenas estou exercitando minha escrita. Pois disse lá no início que hoje eu contaria. Contei. Assim é que escrevo.