sábado, 17 de setembro de 2011

Memórias dum diletante

Capítulo II – Hoje é sexta-feira


--Juremaaaa? Netinhooo?
--O que foi seu Portuga? - respondeu Jurema.
--Venham até aqui para eu contar uma novidade.
--Já estamos aqui!
--Pois bem, desde ontem à noite, após observar um cliente passando o guardanapo na mesa e logo em seguida levá-lo à lixeira, fiquei cheio de idéias. Estou ansioso para pô-las em prática.
--O que é ansioso - pergunta Netinho.
--Diria que é querer muito... que estou desejando muito.
--Vamos lá, conta logo - apartou Jurema.
--Qual o ingrediente mais importante que você utiliza na cozinha Jurema?
--Humm.... acho que é o sal?
--Sal pode faltar, utilizamos outros temperos. Portanto?
--Ah! Gás... não posso cozinhar sem o gás.
--E para que serve o microondas, o forno elétrico e como são feitas as saladas?
--Já sei, água, sem água não podemos cozinhar.
--Chegou perto?
--Como assim?
--Ontem percebi que o único ingrediente que nunca poderá faltar, tampouco ser utilizado com economia, em nosso ambiente de trabalho é a higiene.
--Tá me chamando de relaxada seu Portuga - gritou a Jurema.
--Pelo jeito eu também - resmungou Netinho.
--Não é isso pessoal, é que estamos fazendo essa tarefa de maneira automática, muitas vezes nem imaginamos para que serve aquilo.
--Não entendi - falou Jurema.
--Devemos limpar para eliminar aquilo que enxergamos e também aquilo que está ali sem o alcance de nossa visão. E evitar as possíveis contaminações ou que os alimentos sejam alvo das bactérias.
--Seu Portuga quer ser o Dr. Bactéria - sorriu Jurema
--Doutor não, mas quem sabe um enfermeiro... eheheh
--Então seu Portuga o que devemos melhorar a partir de agora? - diz Jurema.
--Quase nada, é só dar maior importância para o ato da limpeza, e cada vez que a gente estiver realizando esse trabalho imaginar que é o único ingrediente que nunca poderá faltar, principalmente na cozinha - entenderam?
--O que é bactéria seu Portuga? - timidamente perguntou Netinho.
--Putz Grilo! Você fugiu da escola garoto, isso é matéria do primeiro grau, até que série você estudou?
--Acertou - disse Netinho - fugi da escola na terceira série, para ajudar lá em casa.
--Não acredito que você tenha só a terceira série, tem boa caligrafia e desenvolve bem as contas matemáticas... Isso precisa mudar, dê um jeito de voltar para a escola se deseja continuar trabalhando comigo. Vou estender-lhe a mão para que tenhas condições de obter uma melhor formação. Concorda?
--Sim senhor, farei a minha parte.
--Agora todos aos seus postos que a pedrera vai começar.

Que conversa mais esquisita - imaginava - enquanto conferia o troco no caixa, vejam o que um simples gesto pode provocar, o cliente de ontem limpou a mesa com o guardanapo e hoje o Netinho volta a estudar. Isso leva-me a quando iniciei neste trabalho há quase vinte e cinco anos, com a mesma idade do Netinho. Parece que foi ontem.

Entrei para pedir emprego, mas a timidez era tão grande, a vergonha de falar levou-me a pedir um copo d'água. O português que atendia gentilmente perguntou-me se desejava com ou sem gelo. Respondi-lhe que aceitava sem gelo, pois não desejava dar trabalho. Eu ali bebericando e com o coração a mil, não conseguia expressar-me, como pedir emprego, era a primeira vez que enfrentava tal desafio, só imaginava que precisava trabalhar. Foi o copo d'água que custou-me minutos intermináveis, a cada gole ensaiava mentalmente o que diria; será que devia dizer que morava com o tio e que ele estava próximo de partir para a morada final, assim não teria como sustentar-me ou dizer que só desejava trabalhar para ajudar em meus estudos - continuei nessa ginástica mental até que o velho interrompeu-me perguntando se eu queria mais alguma coisa. Sem vacilar, respondi-lhe que precisava de um emprego. Sorrindo simpaticamente, disse-me que ali era uma lanchonete e não uma agência de empregos.

Minha reação foi ficar ruborizado, totalmente sem jeito e sem graça, não conseguia falar. Só observá-lo e imaginar se estava falando sério ou brincando. Percebendo minha timidez, disse que era brincadeira e que talvez dali alguns dias, para minha sorte,  abriria uma vaga, já que o atual ajudante seguiria para serviço militar. Aquilo acertou-me em cheio, será verdade, será possível que eu venha trabalhar aqui. Despedi-me cheio de euforia e prometi que na próxima semana daria uma passadinha por ali.

Não suportei esperar, já no outro dia, estava do outro lado da rua a observar meu primeiro emprego, era um pequeno bar e lanchonete muito simpático, o nome que estava na fachada dizia Bar & Lanches Do Portuga, numa esquina, quase em frente ao ponto de ônibus. Perambulei aquele quarteirão o dia todo, imaginando que já estava a trabalho, fazendo o quê, não sabia, mas sentia-me empregado. Assim passei uma semana, até que voltei lá e conheci com maiores detalhes o seu Domingos, após alguns esclarecimentos, deu-me um jaleco e pediu-me que providenciasse os ajustes necessários para eu usar. Saí pulando de alegria, ao chegar em casa corri para o quarto onde meu tio convalescia de uma doença cujo diagnóstico nunca soube, simplesmente acompanhava seu estado terminal. Muitas vezes havia chorado, pois era a única pessoa da minha família neste mundo e pelo jeito que as coisas andavam, muito em breve estaria sozinho.

Mostrei-lhe o uniforme e que amanhã começaria a trabalhar, olhou-me e com enorme dificuldade esboçou um minúsculo sorriso. Estendeu-me os braços, timidamente segurei-lhe as mãos junto ao meu peito, em sinal de amor e gratidão. Naquele instante não contive-me, lágrimas rolaram e cada vez mais quando vi o abatimento em seu rosto. Dei-lhe um abraço e corri para o tanque lavar meu uniforme, pois desejava estar bem arrumado em meu primeiro dia.

Pela manhã ao entrar no quarto, surpreso percebi que estava na mesma posição da noite anterior, estava imóvel, com as mãos abertas, um semblante de paz, ou até que enfim o fim, ao tocá-lo senti o que nunca desejei, havia "partido" dessa para a melhor. E agora meu Deus! Chamei a dona da pensão e corri para falar com a única pessoa que me surgiu durante o desespero, seu Domingos. Após ouvir meu relato, ligou para seu filho e pediu-lhe para ficar tomando conta dos negócios, pois tinha coisas mais importante para resolver. Ao ouvir aquelas palavras coisas mais importantes; surpreendi-me, que coisas seriam mais importantes do que ele cuidar da lanchonete. Entendi quando deu-me um abraço e disse-me que iríamos providenciar a última morada para meu tio. Sem muito entender, simplesmente o segui durante as tratativas que envolveram o funeral até o final da tarde, hora em que nós de mãos dadas rezamos enquanto o caixão era encoberto pela terra. Saímos dali e eu ainda confuso, totalmente perdido, pois via-me sozinho, sem ninguém para sustentar-me, sem ninguém para conversar, não tinha casa para voltar. Momentos em que sentimo-nos desamparados, ao léu, então a providência se faz presente na figura de um estranho que como um velho amigo nos estende a mão. Nesse astral, seu Domingos e sua generosidade acompanharam-me até a velha pensão, lá adiantou três meses de aluguel do quarto onde eu morava, e disse para a dona que seu inquilino era a partir daquele instante o ajudante geral do Portuga.

Assim foi meu início, ajudante geral, mesma função do Netinho, só que em tempos e circunstâncias diferentes. Mas muita coisa em comum, o meu desejo em retribuir ao meu ajudante o muito que recebi do seu Domingos, atenção, companheirismo, disciplina e principalmente levar uma vida digna, além da constante busca de valores acima da "mera" sobrevivência.

--Acorda vivente? - o Jordão batendo palmas em minha frente.
--Puxa, as lembranças às vezes nos transportam para outras dimensões, estava viajando em algumas do meu passado.
--Isso é bom, mas agora me serve uma gelada.
--Aquela famosa ou vai a marca diabo?
--A mais gelada, tô com a goela pegando fogo.
--Beleza, senta lá, vou pedir para o Netinho dar uma geral naquele canto.

Enquanto o Jordão se ajeitava em nosso recanto, conferia se estava tudo preparado para o final de semana, dias de maior movimento. Dei uma olhadinha nas carnes, nas bebidas e se a cozinha estava de acordo com nossa última conversa bacteriológica. Aumentei a carga de cervejas no freezer e pedi para a Jurema lavar os limões que eram muito utilizados pelos palpiteiros.

Hoje é uma sexta-feira, melhor dia da semana, pelo menos essa é a impressão que tenho, é quando meus clientes chegam aliviados da jornada semanal, e numa euforia sem limites põe-se a deixar a vida rolar. Observo-os, o semblante daqueles que chegam às segundas-feiras em nada se aproximam daqueles que chegam hoje; parecem até outras pessoas, vindas de outro mundo. Com a cara de alma lavada, dever cumprido ou com atitudes de agora sim, vou levar do meu jeito. E desejando ou não, acabo entrando no clima, por isso hoje eu vou levar do meu jeito..

--Falando sozinho Portuga? - interrompeu-me Jordão novamente.
--Hehheh... é que deixei alguns pensamentos em voz alta.
--Arrê... "cê" tá viajandão hoje... tomou alguma coisa... - sorriu Jordão.
--Jordão você já me conhece de longa data, o suficiente para saber que não sou dado a bebidas e outros estimulantes... sou um idealista que acredita na força dos pensamentos e nas emoções que alcançamos através deles...
--Arrepia Portuga, conta tudo, não me esconda nada... - Jordão pondo a mão em meu ombro.
--Em outras palavras, existe viagem melhor do que viver a vida, temos dias de intensa euforia variando para melancolia... em seguida, através dos pensamentos, descobrimos em nossas memórias que tudo resume-se em momentos partilhados, alguns tristes outros alegres, e que somos os responsáveis, através de nossas escolhas, em determinar que  momentos deveremos viver. Hoje determinei que a alegria será compartilhada entre meus amigos, dentre os quais você.
--Agora você me pegou pelas orelhas, deu algumas chacoalhadas, atirou-me no teto, e antes que eu chegue ao chão, chuta de primeira... lá do outro lado da rua, levanto-me, volto e digo... por que será que este lugar é minha segunda morada. Agora vê se economiza algumas palavras e me dá mais uma marca diabo bem gelada...
--Puxa! Pelo jeito você aprovou essa marca?
--Já que esta vida é um inferno... a cerveja tem que ser marca diabo... eheh... já criei até um slogan...

Após servir a cerveja, olho para a porta e quem vem lá:

--Boa noite Pedroso, como vai o nosso brilhante radialista.
--Boa noite Portuga, pelo jeito hoje você está radiante, algo especial?
--Sim, estou vivo e na presença de vocês, acredito que não preciso de mais nada para brindar a vida, que tal?
--É meu caro, hoje você promete, aproveita e traz uma cervejinha acompanhada de algumas azeitonas pretas, ok!
--Tá bom! Pergunta pro Jordão se ele deseja algum petisco.

Após receber o pedido do Jordão, queijo e salaminho, rumei para a cozinha, queria dar uma conferida na Jurema... isso mesmo, em dias de euforia eu dedicava alguns minutos para admirar aquela negra cujos dotes físicos não encantavam somente a mim, já testemunhara vários clientes arrastando as asas para o lado dela, sem no entanto obterem qualquer receptividade. A faz parte do jogo, eles sabem e ela mais do que ninguém. E eu, sem asas para a Jurema, pelos princípios platonicamente cultivava somente admiração pela sua magnífica beleza escultural.

Voltei para o atendimento e passei as últimas orientações ao Netinho, instante em que surgia mais um componente da mesa, o Bigode nosso publicitário e crítico ferrenho do sistema, mas nada de revoluções ou atos insanos, lutava pelas idéias, era fã ardoroso do ato de pensar. Acreditava que através de idéias inteligentes era possível revolucionar sem grandes tragédias, evitando-se assim repetir muitos erros que a história mostra. Em outras palavras, diria ser ele um livre-pensador, lutava contra os (pré)conceitos e bravamente pelo direito de todos terem uma opinião, assim como mudá-la por livre vontade a hora que entendessem por bem. Isso é que é ser democrático - imaginava eu.

Apesar de admirá-lo, confesso que era difícil compartilhar certas idéias, como a de ser ateu; era assim que ele se definia, sem no entanto atacar ninguém, respeitava a crença e a descrença de todos, inclusive a minha fé sem muita prática. Essas diferenças nunca foram empecilho para a harmonia de nossos encontros, ali naquela mesa, sentavam o católico, o ateu, o evangélico, o gnóstico, o espírita, e eu, crente em Deus e descrente das religiões. O fumante, o não-fumante, o bebedor de cerveja, o bebedor de soda, o bebedor de chimarrão, o bebedor de pinga... enfim diria que éramos uma pequena e eclética comunidade de sonhadores desejando maior brilho a condição humana.

--E aí Bigode, o de sempre?
--Tô com vontade de tomar um cafezinho, você tem?
--Sim, senta aqui no balcão para eu te confidenciar.
--Qual é o assunto?
--É que ao iniciar o expediente de hoje, deu-me um estalo e cheguei a conclusão de que o único ingrediente que não pode faltar nesse local é a higiene.
--Puxa Portuga! Isso tá na cara. Não é preciso nem comentar.
--Sim, sim! Sei da obviedade. Mas é que eu desejo fazer dessa tarefa evidente uma bandeira ou um slogan do meu estabelecimento. Assim, meu compromisso será diário e maior, revertendo um certo "marketing".
--Nossa! Pelo jeito você esta querendo mudar de ramo, por acaso quer concorrer comigo na publicidade? Gostei muito da tua sacada. Vou ver o que posso fazer para incrementar a tua idéia.
--Desde já agradeço, e tem outra, se estou tendo certas idéias a culpa não é minha, mas daquela mesa, é lá que personas como você ficam vendendo idéias, assim como um humilde ignorante tenho comprado muitas, agradeço-lhes de coração.
--Aíiiiiii meu parceiro! Gostei dessa. Para finalizar, não existe ignorante que não tenha algo a ensinar como não existe sábio que não tenha algo a aprender... é a vida... nada mais natural. Vou lá fora tomar o café e fumar meu cigarrinho, pois já vi que o Pedroso está na mesa e ele detesta cigarro.

Enquanto o pessoal deixava o papo rolar na mesa seis, eu atendia a clientela que na sexta-feira a noite parecia multiplicar-se por três, em determinados horários, a Jurema deixava a cozinha de lado e partia para o atendimento, era quando os gaviões abriam as asas e em vôos rasantes lançavam-se na ventura que conquistá-la, eram os mesmos de sempre, e sempre os mesmos insucessos, pois a nossa negra tinha atitude, e sem nunca dizer-me nada a respeito, acredito que partilhava do mesmo princípio que aprendi com o velho Domingos: onde se ganha o pão, não se come a carne. Assim, nunca a vi em situação que eu precisasse intervir; desdobrava-se em duas para bem atender, simpática e sorridente, ria das piadas, não dava corda para malícias, enfim estava muito satisfeito com a Jurema, essa satisfação era traduzida pela caixinha que eu distribuía entre ela e o Netinho semanalmente.

--É, essa sexta está memorável, vejam quem apareceu, puxa achei que tivesse batido com as dez graaandeee DaCosta. - gritei para todos ouvirem.
--É que perdi mais uma, aí aproveitei para dar uma boa descansada, além de fugir dos cobradores. Pois não há verba para pagar todos. Assim, dando tempo ao tempo e algumas fugidinhas, vou recompondo-me e aliviando os débitos.
--Puxa! Como você é teimoso, por acaso você não sabia que perderia novamente, você imaginava que havia chances para ganhar essa?
--Claro né! Posso ser louco, mas não sou burro. Tudo estava a meu favor, os números estavam do meu lado; mas quem decide é o eleitor e no dia da votação. Acato a soberania do voto. E aprendi mais uma estratégia que não dá certo. Já estou reparando-me para a próxima, daqui a dois anos....heheheh
--Vamos parar por aqui, lembra-se de nosso combinado, nada de intimidades entre os componentes da mesa?
--Acredito que sou caso a parte, já que ao tornar-me candidato, tornei-me um pretenso homem público. Mas tudo bem, vamos manter nossa cautela e praticarmos os princípios de palpiteiros que o velho Domingos nos legou.
--Vai pedir o quê?
--Tô com saudades daquele bife com presunto e queijo, coberto com um suculento molho de tomate com cebola que só você sabe fazer. É possível...
--Claro, vou pedir para a Jurema ficar aqui, enquanto preparo teu bauru ao prato, já levo o vinho lá na mesa, ok?
--E a Jurema cada vez mais Ju-re-ma... eheheheh... fui.

Esse é o DaCosta, o eterno candidato, já participou de uma dúzia de pleitos e nem perto. Mesmo assim não desiste, é seu sonho e com todo o direito deve perseguí-lo. É um camarada muito honesto, gosta de fazer política, qualquer evento lá está tentando vender seu peixe. Tem boas idéias, nunca soube ou pelo menos nunca deixou transparecer que era motivado por ambições econômicas que por ventura refletissem de algum cargo. Homem de palavra, sem muitas delongas para decidir-se em qualquer questão, aquilo que era sim era sim... ou aquilo que era não era não... talvez por isso tenha enfrentado dificuldades em angariar votos, pois sabemos que os eleitores, em grande maioria, acreditam mais facilmente em promessas mirabolantes do que numa confissão genuína de que certos desejos são inviáveis.

--Ei Jurema, onde você escondeu as cebolas?
--Lembra que o senhor determinou um novo local para guardá-las?
--Tá bom.

Estou a preparar o prato para o DaCosta que pede para eu fazer porque sabe que este prato é o meu favorito. Assim não tem como dar errado, pois pelo menos uma vez na semana, pratico essa culinária, bife (patinho, coxão mole ou alcatra) que é frito em separado com sal a gosto, enquanto preparo o molho com a polpa de dois tomates, uma cebola, alho, molho inglês, pimenta do reino e uma colher de sopa de extrato de tomate. Quando o molho já está no ponto, acrescento uma pitada de sal, após retiro o bife da frigideira e coloco uma ou duas fatias de presunto com uma ou duas de queijo, após uma leve gratinada, então, no prato que irei servir, coloco o bife coberto pelo presunto e o queijo, cubro com o molho... e pronto. Para acompanhar, queijo ralado, vinho, pão francês e conferir a reação do DaCosta...

--Portugaaaaaaa! - grita DaCosta.
--Faltou alguma coisa?
--Pa-ra-béns... dizer que ficou uma dilícia é muito pouco... está sensacional, onde você aprendeu fazer este quitute"?
--Começamos ao acaso, nos tempos do velho Domingos, a pedido de um cliente que nos passou aquilo que desejava degustar... desde então incorporamos no cardápio.
--Huuumm... tive uma idéia... a partir de hoje vou chamar de Prato do Portuga, já que é você quem faz, além de tê-lo como preferido.Topas?
--Vou pensar e se aprovar você verá no cardápio.

A noite corria animada, o pessoal da mesa seis reunido, eu e minha dupla de escudeiros nos desdobrando para atender as dezenas de clientes avulsos que surgiam aos bandos.  Um dos grandes motivos desse entra e sai nos finais de semana é pelo ponto de ônibus estar a cinco metros e o roteiro desta linha as baladas, então a turma aproveita para retocar a maquiagem, fazer um xixizinho, comprar um "halls", outros mais irados engolir umas doses de pinga, conhaque, vodka ou uma simples cervejinha. Todos recebem atendimento de primeira, não dou espaço para folgados e bagunceiros, inclusive recuso-me atender aqueles que já chegam turbinados. Ainda assim, com todo esse cuidado e com toda a diplomacia, há os encrenqueiros cuja missão parece única: arrumar confusão. Como um trio de travestis que vez por outra por ali aparecia; já havia pedido para elas baixarem em outro terreiro, sem no entanto ser ouvido, pois retornavam e em cada retorno o barraco se armava. Chegavam altas do chão e começavam a mexer com as garotas e garotos... eu possuía um cabo de machado, um daqueles de rachar qualquer um ao meio, que deixava embaixo do caixa, ao lado de um trinta e oito, heranças do seu Domingos, nunca soube que foram utilizados, mas era minha sensação de segurança, se preciso for, sem vacilar apelarei - imaginava. Até que um dia os travecos me tiraram do sério e pela primeira vez peguei o cabo e parti para cima deles; quando perceberam que eu estava além do limite, não retrucaram, baixaram a guarda e se foram, sem antes, qualificar-me com inúmeros palavrões indescritíveis. Fora esporádicos casos de rebeldia, o resto a gente leva na esportiva, sem muito estresse. Cultivo e semeio a paz. Não sou o único, assim como há os da rota contrária... é a vida de bodegueiro. (Fim do capítulo II)

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