terça-feira, 13 de setembro de 2011

Três amigos, dois destinos

A história que relato a seguir é um clássico exemplo da facilidade que é tornar-se um alcoólatra.

Todos jovens adolescentes, cheios de gás e ávidos pela aventura. E assim fizemos, como andarilhos, cada um com sua mochila, rumamos a pé em direção aos dias de agito. Na bagagem somente o possível, uma barraca, duas peças de roupas, algumas latas de sardinhas e salsichas. No bolso, uma pequena soma de trocados, não tínhamos para esbanjar em besteiras, tais como salgadinhos, refrigerantes, entre outros. Foi um dia de caminhada e lá estávamos. Montamos o acampamento e fomos as compras, foram alguns pães para acompanhar os enlatados em nosso rango. Em seguida, saímos sem destino.
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Rodamos de um lado a outro, a orla estava lotada, uns bebendo cerveja, alguns comendo, outros tomando sorvetes e picolés. Eu olhava para todas aquelas bocas e imaginava quando voltaria a um lugar daqueles, mas com dinheiro para enfim deliciar-me. Seguimos em frente, em direção às peripécias marítimas.
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Entre o mar e a areia ficamos boa parte da tarde, de vez em quando bebíamos água para amenizar o gosto de sal. Ao anoitecer detonamos um pacote de refresco e pão. Após, planejamos o que seria a diversão noturna, restava-nos alguns trocados cujo valor era insuficiente para qualquer atividade disponibilizada aos turistas com dinheiro - bares, parques, boates, etc. Foi quando alguém sugeriu cachaça e assim faríamos a nossa balada.
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Só dois litros de pinga e iniciamo-nos na arte, o dono do bar ainda nos presenteou com  o gelo. Descobrimos ali, naquela bebida barata, a fonte do prazer e diversão. Tomamos como se fosse refrigerante, as conseqüências vieram depois, a ressaca no alvorecer, eu não podia mexer a cabeça, parecia que tudo estava frouxo. Passamos um bom tempo nos recuperando daquela doideira para no anoitecer, sem muitas opções, partirmos em busca da “marvada”.  Embarcamos novamente na bebedeira madrugada adentro; eu ficava muito zonzo, sentia-me horrível, não achava graça no primeiro trago, mas aprendi que o bom era depois do segundo e do terceiro, aí ninguém me segurava. Dá-lhe cana gelada, que refrescante, descia macio como fosse “di” veludo.
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Uieeeeêêê.......... Até que enfim descobrimos as delícias daquela poderosa água de fogo, tudo se transformava em minha volta, tudo ficava “as mil”, não nos faltava nada. Estávamos na praia, entre camaradas e tudo em alto astral. O resto que se exploda. Ficamos dez dias naquela dieta de pão, enlatados, água e muita, muita cachaça mesmo. Iniciamos com dois litros, e lá pelo final já estávamos consumindo quase o triplo. E não era só a noite, pois já acordávamos querendo molhar o bico. Assim continuamos até o retorno.
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Segunda-feira, após dez dias de intensas ressacas, perambulava próximo à praça Rui Barbosa. Lá pelas dez horas da manhã, uma coceira na goela começou a incomodar-me, lembrei-me da cachaça, que coisa terrível... vontade incontrolável... será que é isso mesmo -  indaguei-me. Atendendo o impulso, entrei no primeiro boteco e pedi um martelinho (copo pequeno), neste meio tempo, olhei para o sol brilhando lá fora, pessoas andando de um lado a outro pelas calçadas, ali no balcão outras com atitudes de quem estava trabalhando, assumindo seus compromissos, e eu pedindo cachaça, “pliiiiimm” naquele instante meu anjo da guarda cobrou-me uma atitude e gritou tão alto que escuto até hoje:
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“o que é isso companheiro! em plena segunda-feira, dia de São Pega e você querendo beber, logo de manhã, aonde você pensa que vai chegar com isso, consegue imaginar, então imagine-se numa trajetória de borracho*.
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Quando o rapaz trouxe o pedido, minha garganta ainda coçava. Estava com a boca salivando, em desespero para avançar naquele copo. Mesmo assim, dei ouvidos à minha consciência, levantei-me e saí apavorado, imaginando como é terrível lidar com essa vontade. Como é fácil deixar-se abater pelo álcool. Será que todos que são alcoólicos iniciam de maneira tão simples como a que se apresentou a mim. Senti-me muito assustado, pois foram meses com aqueles delírios pela falta da danada; fiquei um bom tempo longe de qualquer bebida temendo alguma recaída.
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Hoje, após décadas, ao relembrar o acontecido aos dois amigos que me acompanharam, lamentam porque não compartilharam também a segunda-feira e assim, quem sabe, o rumo de nossas vidas teria sido outro. Ambos são alcoólatras e sofrem internações constantes sem lograr êxito em suas recuperações.

*borracho > alcoólatra, adicto, viciado, ébrio, bêbado, pinguço...

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