Dizem que a vaidade feminina é fundamental, quanto à masculina, existem várias correntes, inclusive aquelas que extrapolam. Ou em casos raros, encontramos extremos calcados em uma só pessoa. É o caso de um amigo, vaidoso além dos limites ao cuidar do cabelo, pois passava o dia inteiro com um pente na mão. Onde fosse, lá estava o Bom Cabelo a se pentear, em frente a qualquer espelho ficava horas alisando e ajeitando os fios rebeldes; aquilo era fora do comum, chegava a beira do absurdo.
Quando nossa turma reunia-se para alguma moda, comum a jovens adolescentes, dedicávamos um bom tempo em admirar a sua devoção, seus gestos e trejeitos ao manusear aquela cabeleira. Lembro-me das vezes em que deixou de participar de muitas atividades em função do cabelo; jogar bola nem pensar. Recusava-se sempre, pois poderia quebrar os fios ou amassar o penteado.
E nas pescarias que curtíamos; eram três dias e duas noites de farra na beira de um rio; acompanhados de churrasco, pão, mergulhos, fogueira e muita fumaça. Era um sacrifício daqueles para o nosso amigo, imagine alguém não querendo entrar no rio para não estragar o cabelo ou correndo para bem longe do fogo e da fumaça para não deixar o cabelo com mau cheiro. Com ele era assim, tudo pelo cabelo, sacrificava momentos que não trocaríamos por nada neste mundo.
Esse é um lado extremo da vaidade masculina que conheci, a outra face também era componente do nosso amigo Bom Cabelo, era difícil entender tamanho paradoxo, enquanto ao cabelo dedicava-se além dos limites do bom senso, o resto de seu corpo não existia para a sua dedicação. Andava com tênis furado parecendo nunca ter visto água; além das roupas imundas e fedorentas.
Era a caricatura de um andarilho, as meninas nem se aproximavam dele, coisa que parecia não lhe incomodar; gostava de contar piadas e histórias engraçadas, tinha um humor de causar inveja, tristeza não era com ele, sempre falava coisas boas. Era um otimista de nascimento e diante daquilo eu ficava tentando entender o contraste. Por que dava tamanha importância ao cabelo e negligente em todo o resto. Alimentava essa dúvida.
O Bom Cabelo era uma pessoa diferente; fazia cada uma, como no dia em que resolveu ser vendedor de picolé, pegou a caixa de isopor e saiu pelas ruas tentando ganhar alguns trocados. Junto levava seu espelho de bolso e o inseparável pente; a cada cliente que oferecia um picolé parava para dar um alisada na juba. Acredito que as pessoas compravam pela curiosidade de saber quem era aquela figura tão exótica.
O que levaria alguém ter tamanha dedicação pelo cabelo e ao mesmo tempo não gostar de tomar banho, nem vestir roupas limpas ou novas, isso começava a incomodar-me.
Até que inventei a oportunidade; imaginei que indo até sua casa encontraria a resposta. Ele morava distante de nosso bairro e com uma desculpa qualquer lhe avisei da minha visita. Ao me aproximar, observei uma pequena casa de madeira com uma placa em frente, Cabeleireira e Manicure, então fiquei sabendo que era a mãe do Bom Cabelo. Talvez metade do mistério já esteja desvendado, mãe cabeleireira, daí vem a sua devoção ao cabelo.
Entrei no pátio e, em sua companhia, fui até um galpão nos fundos da casa, lá descobri a segunda parte do mistério, seu pai era catador de lixo. Tinha montanhas de materiais recicláveis ou não, e no meio daquela bagunça e sujeira toda... o pai, um retrato fiel de sua forma de vestir. Todo imundo, calça e camisa rasgada, um pé com sapato outro com chinelo, inclusive a mesma simpatia e sorriso, ufa!... respirei aliviado, até que enfim saciei minha curiosidade. Com o passar dos anos, soube que se tornara barbeiro, ou como sua mãe - cabeleireiro e graças a uma paixão fulminante aprendera distribuir sua vaidade pelo corpo todo. Além de bom cabelo, lembro-me do bom amigo, do companheiro gentil e generoso que sempre demonstrou ser. Saudades mil.
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