terça-feira, 12 de julho de 2011

Revolução na cozinha

Histórias de pai e filho

Por Gilrikardo

REVOLUÇÃO NA COZINHA

Explicava ao meu filho de seis anos como encontramos inspiração. Tal como alguém que escreve por gosto e não por ofício ou obrigação, o melhor argumento foi desafiar-me e dizer-lhe que relataria uma história ocorrida ali onde estávamos. Frisei que através da imaginação e das palavras temos o poder da criação. E assim foi escrito a revolução...

A geladeira sentindo-se a tal, gritou:

--Hei seus molengas!! Vamos dar as ordens a partir de hoje! Chega de me sufocarem com porcarias, aliás ultimamente o negócio anda tão fraco que nem isso têm. Só essas camadas de gelo que me deixam mais cansada. Basta! Chega desses adesivos na minha porta... esses enfeites de criança... e aquele gurizinho que vem aqui de cinco em cinco minutos e bate a porta.. arghhhhh! E a dona Maria então! Acha que sou prateleira ou armário, empilha um monte de bugigangas em cima de mim... desse jeito fico cansada! Estou aqui para ser uma conservadora... conservar alimentos é a minha utilidade.

Após esse breve discurso, todos na cozinha manifestaram-se. O fogão resmungou que suas bocas estavam precisando de tratamento, precisava de um "dentista" ou algum especialista para deixar seu sopro em dia. Estava descontente com a maneira grosseira que lhe davam banho, pois em cada lavada era um pedaço que lhe subtraiam. Botões que soltavam, grades que não se encaixavam mais, além de utilizarem-no como porta trecos. Não gostava de sentir a cafeteira sobre a tampa, muito menos lhe atulhar o forno com "apetrechos" que não eram dali.

A mesa reclamou que estava com reumatismo, pois suas pernas estavam doloridas e por isso mancava, não conseguia manter o equilíbrio. A pia chegou muito indignada com a sujeira que faziam com ela... era pedaço disso e daquilo, viravam óleo, alho, sabão e jogavam as panelas de qualquer jeito.

Ademais o que a deixava muito incomodada eram aquelas formiguinhas entrando e saindo de seu interior. Eta bichinhos irritantes e ninguém faz nada, esbravejava ela.

A geladeira retomou a palavra e sugeriu:

--Vamos fazer uma greve? A partir de hoje não vou mais conservar... que tal?
--Acho que não é uma boa idéia – disse o fogão – eles vêm e trocam você por outra ou lhe mandam para o "hospital".
-- Então o que faremos? – exclamou a mesa.

Silêncio geral. Por alguns minutos nada, a não ser o ronco do coração da geladeira... bbzzzz. Até que ouviram um snif... snif... bem baixinho vindo do canto, era o banquinho perna torta. Ele estava todo dolorido, inventaram que deveria suportar o jarro de água e a batedeira, mais de vinte quilos e suas perninhas já não agüentavam mais. Gemendo de dor, sugeriu que alguém fosse até o quarto do garoto que dormia e soprasse em seu ouvido todas as queixas da turma. Quem sabe, mesmo dormindo, seria sensível à causa e porventura tomaria alguma providência.

--Quem irá até o quarto dele? - perguntou o fogão.

Silêncio novamente. Até que ouviram a lagartixa que estava próxima da lâmpada dizer que sentiu-se comovida, portanto seria a portadora da mensagem. Lá se foi e após alguns cochichos voltou gritando:

-–Missão cumprida pessoal!

Raiou o dia, a mãe ao chegar na cozinha surpreende-se ao ver o garoto acordado tão cedo. Ali, na maior animação, com um martelo consertando as pernas do banquinho, retirando os adesivos da geladeira  e espantando as formigas. E lá na fresta, bem quietinha, a lagartixa observava tudo.